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Apenas uma relíquia do Plioceno...

domingo, fevereiro 26, 2006

Assim na Terra como no céu

ACABO DE LER a matéria da revista Veja sobre o glorioso astronauta brasileiro. É incrível e de certa forma irritante a grita da imprensa tupiniquim, toda ao mesmo tempo e agora, contra a viagem do "homem cordial" Marcos Cesar Pontes, cujo único pecado mortal é ser um saco de lugares-comuns.

Esse berrê deveria ter começado lá atrás, quando o Brasil embarcou na sandice de participar da Estação Espacial Internacional - um delírio megalômano tucano, bem ao estilo do príncipe FFHH, que os próprios tucanos não deram conta de manter depois. (Hoje, a fabricação dos parafusos que o Brasil prometeu para a ISS, um trabalho no mínimo digno de uma Embraer, está a cargo... dos torneiros mecânicos do Senai. Nada mais apropriado para os tempos de hoje.) Foi-se a ISS, ficou o mico treinando lá em Houston, Marcos Cesar "Home Alone" Pontes.

E agora, onde é que a gente enfia esse astronauta, heim? Muito simples, comissário: na Soyuz. "Mas custa 10 milhões de dólares!"

E daí?, pergunto. 10 milhões de dólares é menos que o que ex-mulheres mensalônicas sacavam em um dia da agência do Banco Rural. É menos que o menor contrato da DNA com o governo -- propaganda por propaganda, essa pelo menos pode estimular alguém a uma boa coisa, que é ingressar numa carreira científica. Além do mais, esse bagual já estava treinando havia sete anos, gastando o meu, o seu e o nosso. Seria o nosso atestado final de incompetência e de inviabilidade como país (vide o posto sobre o museu do Ipiranga) suspender a brincadeira de Pontes agora. (Fora que o Salvador não ia mais vender livro...) Do ponto de vista político, é a ironia suprema (ou não): o apedeuta de São Bernardo faturando em cima de algo que o príncipe da Sorbonne não conseguiu realizar.

Agora, uma coisa é achar que Pontes deve voar, outra é dizer que esses truques baratos de feira de ciências que ele está levando para o espaço vão "avançar a ciência nacional", como defendem alguns. A descrição dos experimentos é de chorar. De matar de vergonha. Faço minhas em relação a eles as palavras do velhinho do JB sobre o livro do Daniel Piza: o que é bom não é novo, o que é novo não é bom.

Não vou nem comentar a feijoada com couve dos aluninhos de São José dos Campos; eles talvez sejam os experimentos mais honestos selecionados pela AEB para a missão Centenário. Mas o resto? Francamente, comissário. Reparo de DNA? Isso é o microgravidade-101. Todo mundo já fez, os resultados estão no PubMed pra quem quiser ver. Dinâmica de enzimas? Brasileiros já fizeram, a bordo do shuttle, sem precisar ter um macaquito verde-amarelo no espaço para isso - vide as proteínas da jaca que a mãe de um amigo meu, professora da USP de Ribeirão, mandou tempos atrás. Germinação de árvore do cerrado "para ajudar na biologia da conservação"? Gimme me a freakin' break. A única biologia da conservação possível para o cerrado é parar de botá-lo abaixo para plantar soja. Bom, sobram talvez os dois experimentos da UFSC que, segundo me informa o Salvador Nogueira, poderão ajudar os donos de padaria Brasil afora.

Ao fim e ao cabo, os experimentos me lembram alguns projetos de balcão do Programa Antártico Brasileiro, tipo as coletas de algas anárticas que o pessoal da Federal do Ceará fazia com o relevante objetivo de... coletar algas antárticas. Com uma diferença importante (uma, pelo menos para quem acha que a exploração antártica e a exploração espacial tripulada têm o mesmo valor científico): o Proantar custa R$ 10 milhões por ano, entre logística e ciência. US$ 10 milhões é o valor anual do LBA, esse sim de relevância (e resultado) indiscutível, sob qualquer medida.

Pontes levará ao espaço a feira de ciências mais cara da história brasileira. Mas tudo bem: é carnaval, tem copa do mundo e eleição, e JK na tela da Globo dando risada da nossa cara. Conforta saber que é o primeiro e último astronauta brasileiro. E, entre o seu sorriso largo e aparvalhado e a careca do Marcos Valério nos jornais, eu sem dúvida fico com o primeiro.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Um experimento científico como os feijões plantados em ambiente com gravidade próxima de zero é algo importante, apesar da aparente simplicidade pois é uma forma de se entender o funcionamento de mecanismos da fisiologia vegetal na ausência controlada de um fator como a gravidade, algo impossível em condições de laboratório.
O estudo de algas cujo habitat é a Antártida também é importante no mesmo sentido, entender o funcionamento de organismos em condições ambientais específicas.
É importante entender que pesquisas básicas podem levar conhecimentos que irão possibilitar o entendimento de fenômenos mais complexos.
A teoria da relatividade não surgiu do nada, o computador não foi inventado pelo Bill Gates, a Teoria da Evolução não apareceu da noite para o dia...

3:20 PM  
Blogger Paranthropus said...

Eu não estou discutindo a importância da ciência básica. A natureza é bela, e estudá-la é importante sempre, sob qualquer ponto de vista.

Eu amo feijõezinhos. Amo também as algas antárticas. Se pudesse, seria pago para passar o ano coletando algas na Antártida, ou plantando feijõezinhos na ISS, for that matter. O meu problema com esses experimentos é se eles acrescentam algo à ciência nacional ou se eles foram ajambrados só pra dizer que o nosso astronauta vai fazer alguma coisa que não turismo lá em cima.

É uma questão de distribuição de recursos. Se você mora na favela e tem filhos doentes e passando fome, e de repente acha 300 reais na rua, você torra com médico e comida ou com um microondas novo? Já que você citou a teoria da evolução, você mandaria uma expedição científica às Galápagos hoje para estudar as diferenças morfológicas dos bicos dos tentilhões e ver se elas têm algo a ver com a seleção natural?

4:02 AM  
Anonymous Anônimo said...

Porra Bátiman, o tupinauta vai comer a farinha, os feijõezinhos, ou nenhum dos dois? Ou a Soyuz tá levando fruta pro espaço, caralho?

3:25 PM  

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