Ideias antigas

Fósseis, árvores, minorias, filhos e outras coisas fora de moda

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Apenas uma relíquia do Plioceno...

quarta-feira, setembro 06, 2006

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OS ÚLTIMOS SETE DIAS foram de notícias importantes para quem liga um pouco que seja com o futuro do maior bioma do Brasil e maior floresta tropical do mundo.

Primeiro, o governo Marina Inácio Lula da Silva propôs em Roma a criação de um fundo para redução compensada, ou seja, se países detentores de floresta reduzirem seu desmatamento, eles terão direito a uma grana a ser gentilmente cedida por nações com metas a cumprir pelo protocolo de Kyoto. Dinheiro este a ser reinvestido em medidas contra o desmatamento, produzindo um "círculo virtuoso", para usar a expressão dos tecnoverdocratas do MMA, no qual a taxa de desmatamento finalmente cairia a zero, ou algo assim.

Depois, um jovem nerd de 29 anos de Maryland chamado Douglas Morton publicou na "PNAS" um estudo cravando em 5.400 quilômetros quadrados a conversão direta de floresta para soja em Mato Grosso entre 2001 e 2004. Mais do que isso, a técnica de processamento de imagens do Modis desenvolvida por Morton permitiu estimar em um ano o tempo entre o correntão e o plantio. Quem mexe com Amazônia sabe que isso é MUITO rápido. Em essência, a mensagem é que a resposta do setor desmatador a flutuações do mercado é imediata. Ninguém desconfiava disso ainda. Achava-se que a conversão levasse três anos, no mínimo.

Ontem, por fim, o MMA se encarregou de uma boa nova: o desmatamento está caindo pelo segundo ano consecutivo. Como veremos adiante, é uma boa nova cheia de caveats. Os dados do Deter apontam uma queda de 11% em 2006, enquanto o sistema usado para dar a taxa oficial, o Prodes, craba 18.700 km2 em 2004-2005.

Pode ser que eu esteja ficando velho e rabugento. Mas não recomendo a ninguém soltar fogos ainda. Pelo seguinte:

O esquema de redução compensada não está atrelado ao Protocolo de Kyoto ou ao que quer que venha substituí-lo. É um mecanismo "voluntário", pago por um fundo "voluntário" dentro de um segundo trilho do blablablá climático. "Voluntário" é a palavra favorita de George W. Bush - e, se Bush é a favor de algo na Convenção do Clima, pode ter certeza de que é fria. Ninguém no governo explicou ainda de onde virá a bufunfa para bancar esse fundo; por que a França ou o Japão o alimentariam, se ele não vale como desconto na meta?

A proposta de fundo voluntário foi, como vim a descobrir (e não precisa ser nenhum Kennedy Alencar para tanto), uma concessão de Marina Silva aos suspeitos de sempre (MCT e Itamaraty), que insistem na conversa de que o que conta na hora de adotar metas é a contribuição histórica para o aumento das temperaturas, o que deixaria os BIC (Brasil, Índia e China) sem a menor obrigação com Kyoto ou equivalentes essencialmente para o resto da vida.

O MCT, na figura de seu intratável assessor climático José Miguez (que tem arrepios só de ouvir falar em floresta), tentou melar a redução compensada de todo jeito. Mesmo depois de ela ter sido aprovada e apresentada em Montréal, no ano passado, armou-se um retrocesso e a proposta quase cai. A proposta do MMA foi salva, vejam só, pelas sanguessugas. Lula quer queimar o ministro-sanguessuga Sérgio Rezende como queimou Palocci e Dirceu, fortalecendo Marina politicamente em qualquer embate com o MCT. Mas ainda havia o Itamaraty - daí a proposta de fundo voluntário.

Entra em cena a Costa Rica, que apresentou também na semana passada, em Roma, a proposta de um fundo de redução compensada, só que atrelado a um mecanismo de mercado, não a uma expectativa de bondade alheia. Vamos ver se o Brasil vai apoiar ou dividir o bloco tropical na próxima COP, em Nairóbi.

Sobra a cifra do desmatamento. Deve ser comemorada? Discretamente, por favor. Como Morton e colegas mostraram na PNAS, a queda em Mato Grosso pode e deve ser atribuída à crise do agronegócio, que o presidente Lula já tratou de resolver, dando uma mãozinha aos sojeiros earlier this year. Recapitalizados, se a China espirrar, Mato Grosso vira cinza de novo. No Pará a taxa subiu 50%, assim que se aliviou a pressão do prende-e-arrebenta das LAPs, MPs, portarias e outros que-tais. Sobrou como pedra angular da política ambiental marinista a criação de unidades de conservação. O que, eu admito, é melhor que nada.