Estado de Merda
FAÇA O QUE EU DIGO, mas não faça o que eu fiz: não perca seu tempo com Estado de Medo, tecnothriller do meu ex-ídolo Michael Jurassic Park Crichton que acaba de ganhar uma tradução no Brasil (Rocco). O livro é um arrazoado de desinformação sobre mudança climática, em alguns pontos tão chato em sua pregação antiambientalista que me levou a cometer a deselegância de pular várias páginas. (E olhe que eu trato romancistas com respeito: o último livro que me fez pular páginas foi Viagens na Minha Terra.) E o advogado dork não come a loira.
Como já disse num post anterior, é possível, em tese, tentar levá-lo na esportiva. Abra, recite o mantra "é só uma ficção de privada" três vezes e comece. Começa bem, na verdade, seguindo a receita infalível da ficção de privada americana: sangue, sexo e suspense. Mas, poucas páginas depois, Chrichton comeca a SE levar a sério e a desfiar seu extenso rosário cético quanto à ameaça do aquecimento global. Você pensa, "não há de ser nada". Quer continuar a ler, está envolvido pela trama. Mas eis que surgem as notas de rodapé. As malditas notas de rodapé. "Como é que pode ser verdade uma porra dessas?", você se pergunta. E começa a enxergar o catatau de mais de 600 páginas como uma reserva vital -- para quando acabar aquele rolo de papel Neve.
Fala sério. Referências! "Nature, volume tal, ano tal". "Science, volume tal, ano tal". Papers de climatologia e afins. Intromissões irritantes do mundo real numa obra de ficção. Que para mim soam mais ou menos como a campainha que toca no meio de um amasso. Eis que os heróis da trama estão lá, passando perigos mil na Antártida, enfrentando os ecoterroristas que, para garantir financiamento para suas ONGs, criam icebergs gigantes e tempestades terríveis. No meio da ação, pausa para uma nota de rodapé que explica que o gelo na Antártida está aumentando, não diminuindo etc. Depois, os nada estéticos gráficos de temperatura (meus colegas jornalistas dizem que se colocarem um gráfico desses no jornal eles são demitidos no dia seguinte; não sei como Crichton conseguiu se safar). E as pregações intermináveis sobre como nada é comprovado, como nada disso é ciência etc.
Não quero aqui imitar Chrichton e discutir ponto a ponto suas misconcepções sobre ciência e ambiente. O climatologista Gavin Schmidt já fez isso por mim, num post maravilhosamente esclarecedor de dezembro do ano passado no blógue Real Climate. Só apontar que eu sei quem são os seus ideólogos, as pessoas que efetivamente falam com a boca do autor em Estado de Medo. É uma galera medonha.
O primeiro é Bjorn Lomborg, o estatístico dinamarquês que publicou o célebre O Ambientalista Cético, aquele livro com 1.900 notas de rodapé (eu contei) que essencialmente diz que mudança climática é uma bobagem, o planeta vai bem obrigado e em vez de gastar dinheiro com o combate ao non-issue do efeito estufa, os países industriais podiam aplicar essa mesma grana no Terceiro Mundo ou algo assim. Só faltou converter a cifra em casas populares. Crichton herdou de Lomborg a paixão por notas re rodapé, uma meia-dúzia de referências e a desonestidade intelectual (para quem não se lembra, o livro de Lomborg foi condenado na Dinamarca por desonestidade intelectual). E cometeu, com o sinal trocado, aquilo que Lomborg classifica de "ladainha" do fim do mundo dos ambientalistas.
O segundo é Dick Lindzen, o meteorologista gordão barbado de suspensórios do MIT que Crichton transformou no professor Kenner, o grande herói de sua trama (Sure enough, Kenner aparece como um tipo atlético, aplinista e meio milico. Em favor de Lindzen, diga-se que ele é um intelectual antimilitarista.) Dick é o cético número 1 do efeito estufa. Acusa o IPCC de ser um órgão político e ter forjado o sumário executivo de seu segundo relatório (o que Crichton faz, sem no entanto dizer nada sobre o terceiro, virtualmente consensual entre os mil cientistas do painel). Compara o ambientalismo à eugenia (o que Crichton também faz, sem ao menos dar o crédito da idéia a Lindzen). Diz que a maioria das geleiras do mundo está aumentando (o que Crichton faz, negligenciando que as geleiras continentais e o gelo marinho do Ártico estão derretendo). E bate na tecla de que os cientistas não entendem o comportamento do vapor d'água, talvez o principal gás de efeito estufa (aqui Crichton vai além de seu mestre e insiste no chamado "efeito íris", tese de Lindzen segundo a qual a atmosfera compensa o aquecimento formando nuvens que por sua vez aumentarão o albedo e diminuirão a temperatura; Lindzen desistiu dessa idéia porque seus experimentos nunca deram o resultado que ele esperava). Há frases inteiras no livro que eu ouvi da boca do próprio Dick, como a história da eugenia e a acusação: "antes eram todos só meteorologistas, e a atenção em torno do aquecimento global de repente transformou todo mundo em cientista climático".
Bleargh.
Então nada, nadinha vale a pena no livro? Bem, para quem gosta, há desfiles de mulheres deslumbrantes, incríveis vôos de jatinho executivo que dão a volta ao mundo em uma semana, canibais, terroristas. Mas aí você pensa: não é o caso simplesmente de ir até a locadora mais próxima e alugar uma bobagem hollywoodiana qualquer em vez de amargar 600 páginas de Crichton? Escolha. Só não diga que eu não avisei.
Como já disse num post anterior, é possível, em tese, tentar levá-lo na esportiva. Abra, recite o mantra "é só uma ficção de privada" três vezes e comece. Começa bem, na verdade, seguindo a receita infalível da ficção de privada americana: sangue, sexo e suspense. Mas, poucas páginas depois, Chrichton comeca a SE levar a sério e a desfiar seu extenso rosário cético quanto à ameaça do aquecimento global. Você pensa, "não há de ser nada". Quer continuar a ler, está envolvido pela trama. Mas eis que surgem as notas de rodapé. As malditas notas de rodapé. "Como é que pode ser verdade uma porra dessas?", você se pergunta. E começa a enxergar o catatau de mais de 600 páginas como uma reserva vital -- para quando acabar aquele rolo de papel Neve.
Fala sério. Referências! "Nature, volume tal, ano tal". "Science, volume tal, ano tal". Papers de climatologia e afins. Intromissões irritantes do mundo real numa obra de ficção. Que para mim soam mais ou menos como a campainha que toca no meio de um amasso. Eis que os heróis da trama estão lá, passando perigos mil na Antártida, enfrentando os ecoterroristas que, para garantir financiamento para suas ONGs, criam icebergs gigantes e tempestades terríveis. No meio da ação, pausa para uma nota de rodapé que explica que o gelo na Antártida está aumentando, não diminuindo etc. Depois, os nada estéticos gráficos de temperatura (meus colegas jornalistas dizem que se colocarem um gráfico desses no jornal eles são demitidos no dia seguinte; não sei como Crichton conseguiu se safar). E as pregações intermináveis sobre como nada é comprovado, como nada disso é ciência etc.
Não quero aqui imitar Chrichton e discutir ponto a ponto suas misconcepções sobre ciência e ambiente. O climatologista Gavin Schmidt já fez isso por mim, num post maravilhosamente esclarecedor de dezembro do ano passado no blógue Real Climate. Só apontar que eu sei quem são os seus ideólogos, as pessoas que efetivamente falam com a boca do autor em Estado de Medo. É uma galera medonha.
O primeiro é Bjorn Lomborg, o estatístico dinamarquês que publicou o célebre O Ambientalista Cético, aquele livro com 1.900 notas de rodapé (eu contei) que essencialmente diz que mudança climática é uma bobagem, o planeta vai bem obrigado e em vez de gastar dinheiro com o combate ao non-issue do efeito estufa, os países industriais podiam aplicar essa mesma grana no Terceiro Mundo ou algo assim. Só faltou converter a cifra em casas populares. Crichton herdou de Lomborg a paixão por notas re rodapé, uma meia-dúzia de referências e a desonestidade intelectual (para quem não se lembra, o livro de Lomborg foi condenado na Dinamarca por desonestidade intelectual). E cometeu, com o sinal trocado, aquilo que Lomborg classifica de "ladainha" do fim do mundo dos ambientalistas.
O segundo é Dick Lindzen, o meteorologista gordão barbado de suspensórios do MIT que Crichton transformou no professor Kenner, o grande herói de sua trama (Sure enough, Kenner aparece como um tipo atlético, aplinista e meio milico. Em favor de Lindzen, diga-se que ele é um intelectual antimilitarista.) Dick é o cético número 1 do efeito estufa. Acusa o IPCC de ser um órgão político e ter forjado o sumário executivo de seu segundo relatório (o que Crichton faz, sem no entanto dizer nada sobre o terceiro, virtualmente consensual entre os mil cientistas do painel). Compara o ambientalismo à eugenia (o que Crichton também faz, sem ao menos dar o crédito da idéia a Lindzen). Diz que a maioria das geleiras do mundo está aumentando (o que Crichton faz, negligenciando que as geleiras continentais e o gelo marinho do Ártico estão derretendo). E bate na tecla de que os cientistas não entendem o comportamento do vapor d'água, talvez o principal gás de efeito estufa (aqui Crichton vai além de seu mestre e insiste no chamado "efeito íris", tese de Lindzen segundo a qual a atmosfera compensa o aquecimento formando nuvens que por sua vez aumentarão o albedo e diminuirão a temperatura; Lindzen desistiu dessa idéia porque seus experimentos nunca deram o resultado que ele esperava). Há frases inteiras no livro que eu ouvi da boca do próprio Dick, como a história da eugenia e a acusação: "antes eram todos só meteorologistas, e a atenção em torno do aquecimento global de repente transformou todo mundo em cientista climático".
Bleargh.
Então nada, nadinha vale a pena no livro? Bem, para quem gosta, há desfiles de mulheres deslumbrantes, incríveis vôos de jatinho executivo que dão a volta ao mundo em uma semana, canibais, terroristas. Mas aí você pensa: não é o caso simplesmente de ir até a locadora mais próxima e alugar uma bobagem hollywoodiana qualquer em vez de amargar 600 páginas de Crichton? Escolha. Só não diga que eu não avisei.
10 Comments:
Olá, Paranthropus, tenho uma dica, para diminuir o spam em sua página:
1) No painel de controle do seu blogue, clique em "Settings";
2) Em "Settings", clique em "Comments";
3) Em "Comments", clique em "Yes" para a pergunta: "Show word verification for comments?"
Isso fará com que os robozinhos que enviam spam automaticamente sejam obrigados a fazer algo para o qual não estão preparados, isto é, ler uma figura. Só humanos conseguem fazer isso. Em outras palavras, o spammer em potencial terá o trabalho de ler o que está escrito nessa figura e digitar esse conteúdo em um espaço apropriado. Como os robozinhos não lêem figuras, corta-se o mal pela raiz.
Comecei a ler o Lomborg, mas me aporrinhei com as notas de rodapé (não que me incomode com notas, mas o livro é muito chato de se ler). Minha conclusão (ainda que não tenha chegado à página 100 - acho que passei um pouquinho dali) é que sempre é possível interpretar dados estatísticos do jeito que se quiser. Lomborg acaba cometendo o mesmo crime de que acusa os ambientalistas defensores de ponto de vista contrário ao dele: exagerar algumas coisas e relativizar outras. Pode-se não concordar com ele (e tendo a alinhar-me com os que acreditam que o planeta está indo pro saco). Agora, não se pode ignorar o fato de que ele teve seu direito de defesa cerceado pela Scientific American, numa atitude vergonhosa.
[ ]s,
Ninguém
Colegas jornalistas? Eu sabia que voce era o Marcelo Leite! Que vergonha, Marcelo, ficar usando aquele linguajar de tao baixo calao em seu outro blog.
Não... Será mesmo: "Marcelo, é vc?!" Eu sou mesmo ingênuo demais...
Mas, o Marcelo Leite não leria Crichton... leria?! Segundo o próprio Marcelo (no "outro" blog), ele não leu o Jared Diamond... apesar do Paranthropus ter dito que o fez.
Agora, Crichton?!!! Realmente... fala sério?! Isso não pode ser real... 'Mike' mal-e-mal presta pra ser bilheteiro de Hollywood, desde que devidamente "backe up" por ninguém menos que Steven Spielberg! Aí, bixo, até eu que sou mais "mané"...
"Shame on you, Paranthropus", por ter lido o livro do Crichton! Agora só me falta vc começar a ler o M.Kaku... e passar a acreditar em "universos paralelos"... >;-)
Agora, que a justiça seja feita: Bem ou mal, certo ou errado, o Lindzen é professor no MIT e, apesar dos pesares, ele tem argumentos muito bons. É verdade, porém, assim como vc bem apontou, que o Lindzen também não está com toda a bola... em compensação, é verdade também que os outros "climatologistas" também NÃO estou com a dita cuja da bola! Eu diria que o jogo está empatado, não há Pelés nem Garrinchas em nenhum time... >;-)
"Ecoterroristas"?!!! Realmente, faça-me o favor... olha, "santa ingenuidade, Bátiman", pode até ser que existam... mas, vou te dizer, vai ser um dia bem triste pra mim se descobrirem algo assim. <:-(
"All in all", eu continuo defendendo a minha política de entretenimento: Só assisto filmes "sem significado" porque, se eu quiser "significado", eu paro, sento, leio e penso sozinho, muito obrigado. Não preciso ser catequizado pela indústria cinematográfica. Ainda mais nos dias de hoje, com a Internet e tudo mais... realmente, me parece bem irrisória a idéia de vc ser informado pela indústria do entretenimento: Oras, se eu quero me entreter é justamente pra esquecer o lado sério das coisas da vida! Mas, também não quero começar um post pseudo-filosófico aqui no seu blog...
De qualquer maneira, aposto que vc teria se dado bem melhor com qualquer outra revista estilo "Capricho" da vida... >;-) São do mesmo nível... agora só resta vc tentar re-vender esse tomo... ou, melhor ainda, usá-lo pra segurar as portas da sua casa! >:-)
Um abraço! []'s!
Daniel,
Sugiro que da próxima vez que você visitar o Dick lá no Green Building faça uma parada para desintoxicação na sala do lado, que abriga um sujeito chamado Peter Stone. Esse sim, sabe do que está falando. Não é ativista de nenhum dos lados, nem na ponta Jim Hansen, nem na ponta Dick Lindzen. Ele, sim, é o Pelé (ou Zidane, se preferir) da climatologia. Sinto discordar de você; esse jogo não está empatado nem fodendo.
E eu NÃO SOU o Marcelo Leite.
Ô Paranthropus, também não precisa ficar bravo. >;-)
Eu conheço o Peter Stone, e concordo que o cara é uma assumidade. Meus comentários sobre o Lindzen não são, em hipótese alguma, pra defender o cara, ele já é bem grandinho. Aliás, fofocas à parte, o cara está puto com a Administração do Bush (e já faz algum tempo): Ele percebeu que estava sendo usado e que seus resultados estavam sendo distorcidos. Nossa, o Lindzen está uma arara.
Quanto a discordar de mim, por favor, isso é saudável! Não precisa "sentir" não: Isso aí é coisa do Robin... aquele "parceiro" do Bátiman... >;-)
Honestamente: Eu, pessoalmente, com esses "olhos que a Terra a de comer", li poucos artigos rigorosos sobre climatologia. Também tenho dificuldades de conversar com gente séria a respeito desse assunto; gente sem "bias", que não vá carregar politicagens ou ecologias: Discute a ciência e, depois, a gente entra nos méritos das outras questões.
A grande maioria das pessoas que eu conheço faz uma grande salada, mistura tudo... e, pra finalizar, fazem uma análise estatística dos dados que é absolutamente deplorável.
Então, enquanto o meu lado mais verdinho, mais ecologista, diz o óbvio com respeito à preservação ambiental, meu lado científico só quer saber o quê há de concreto sobre o assunto.
Portanto, Paranthropus-Não-Marcelo-Leite, quanto mais a gente discordar, mais eu estou aprendendo... e é assim que tá bom! >:-)
Um abraço! []'s!
PS: É fácil de vc parar com essas estórinhas de te chamarem de MLeite, basta vc dizer quem vc é!!! >;-)
Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada
À parte isso, trago em mim
(uma preguiça filha da puta de trabalhar hoje)
uhauaha.... eu sempre achei que Paranthropus era "um outro lado" do Marcelo Leite. Mas depois desencanei. Ora, quem se importa? rs Curto o rabujento sem frescuras, digo o Paranthropus...rs
Ô, "outro lado" não! Eu sou espada! E até onde eu sei (embora a gente nunca possa pôr a mão no fogo) o Marcelo Leite também é.
Cara....
você ta sem postar desde o ano passado mesmo!?!?
tem algum ou blog ou fotolog???
estava eu aqui, desesperada atraz de "argumentos dos cintistas que dizem não existir efeito estufa", pois meu professoar de geografia amavelment passou um trabalho pro pessoal da sala recuperar a nota, e eu me interessei pelo assunto e resolvi fazer também. Seu blog foi a coisa mais interessante que eu achei. Achei uma graça o modo como você coloca suas opiniões pessoais, os "ceticuzões" e coisas do gênero!
me divertiu!
Enfim, objetivo do meu post aqui?
Só dizer que realmente gostei do trabalho que você fez e que, não pare!
No caso de não ter parado, só mudado de endere~ço ou eu sei lá...
Me passe por favor!!
Obrigada.
vc é um ecoterrorista??? ser for, contate-me
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