Ideias antigas

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Apenas uma relíquia do Plioceno...

quinta-feira, abril 10, 2008

O poema trágico do Uiramutã


EU TINHA virado fã do ministro Carlos Ayres Britto depois de seu antológico voto a favor das células-tronco embrionárias naquele julgamwnto que não houve no STF, mês passado. Mas o magistrado acaba de dar prova do que se pode esperar das proverbiais cabeças de juízes e bundas de nenê ao conceder liminar pela retirada da Polícia Federal da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima.
A PF estava lá cumprindo seu papel de tirar da reserva meia-dúzia de "produtores rurais" (leia-se GRILEIROS) que aproveitaram o vácuo jurídico deixado pela não-homologação da área de Raposa (demarcada há mais de uma década como terra contínua) durante toda a era FHC para plantar arroz no local. Até minha vovozinha sabia que, cedo ou tarde, alguém poderia homologar a área e que as pessoas que tivessem por sua conta e risco ocupado o local teriam de sair. (Um parêntese aqui: a homologação foi negada no fim dos anos 1990 por ninguém menos que o então ministro tucano da Justiça, Nelson Jobim, que hoje parece ter um emprego também no governo Lula.)
Não foi esse, aparentemente, o raciocínio dos arrozeiros, liderados pelo (prefeito? ex-prefeito?) de Pacaraima Paulo César Quartiero. Apoiados pela "elite branca" de Roraima, que tem aversão a índio e que tem produzido luminares de projeção nacional do quilate de Romero Jucá, eles foram ficando, confiantes na velha política amazônica do fato consumado. Títulos de terra? Nem toque no assunto.
O raciocínio torto do poeta Ayres Britto, segundo leio no Estadão de hoje, foi que a retirada dos não-índios (de novo, um eufemismo para "grileiros") afetaria 6% da economia do Estado (ninguém diz que mais de 80% do PIB de Roraima vem do FPE, ou seja, do meu, do seu, do nosso), mas que eles ocupam "menos de 1%" da área da reserva. Ora, entre 6% e 1% há uma guerra civil pipocando, então "deixa os home trabalhar". Certo?
Só pode descrever as coisas nessa aritmética tão simplória quem nunca viu um pé de arroz na vida. Ou quem acha normal um sistema de produção agrícola de produtividade baixa, calçado em dois tipos de subsídio que só são "externalidades" econômicas no modelo medieval de produção brasileiro, o mesmo que acabou com a Mata Atlântica e vem acabando com o cerrado: preço da terra (de graça) e micronutrientes do solo (idem). Para não arcar com esses custos, os agricultores brasileiros desde 1530 avançam em cima da vegetação nativa até esgotarem o solo, então avançam de novo, e de novo, e de novo.
É certo que há mais campos naturais e cerrados em Raposa do que floresta amazônica propriamente dita. O valor do carbono fixado por essa vegetação nativa é muito menor do que o que se consegue no Amazonas, que já paga produtores para manter a floresta em pé só pelo carbono. Mas e todo o resto? Se Ayres Britto fizesse ESSA conta, descobriria que os "6%" da economia de Roraima na verdade podem ser um DÉBITO, não um crédito. Em seu tempo como secretária de Coordenação da Amazônia do governo FFHH, Mary Alegretti chegou a sugerir que o custo de combater o megaincêndio de Roraima em 2001 (ou 2002?) foi maior do que todo o PIB agrícola do Estado. E estamos falando de quem produz dentro e fora de Raposa. Que parte da palavra "prejuízo" os governos não entendem?
Por fim, mais uma vez, há a outra cifra mágica de que 50% de Roraima é área indígena? E isso quer dizer o quê? Que FALTA ESPAÇO para plantar ou para qualquer outra atividade econômica nos mais de 80.000 km2 que sobram para 300 mil habitantes? Don't think so! Pergunte a um produtor rural europeu o que ele faria com 20.000 km2 livres para plantar (se considerarmos a reserva legal de 80% determinada na Amazônia). A Bélgica INTEIRA tem menos que o dobro disso.
Mas o custo de oportunidade amazônico é imbatível. Eu, você e nossos filhos e netos estamos subsidiando Paulo César Quartiero e sua gangue. Warren Dean deve estar bufando no túmulo.