Ideias antigas

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Apenas uma relíquia do Plioceno...

sexta-feira, março 07, 2008

O Consenso de Alberta

MEU CHEFE acha que eu tenho birra contra os céticos do efeito estufa. Diz que eu torço o nariz para o ponto de vista deles só porque parte de seus argumentos vem da direita ou da extrema direita. Meu chefe é um cara brilhante e democrático (tanto quanto chefes conseguem ser - falo do democrático, não do brilhante), portanto, mesmo sem concordar com a discordância dele, pus-me a refletir sobre o assunto. Não sem antes dizer a ele que os tais céticos são intelectualmente desonestos. Mas fiquei mesmo pensando se não exagerei.

Aí leio que o Heartland Institute, que realizou a incrível conferência "científica" em Nova York destinada a provar que a mudança climática não existe, divulgou uma pesquisa de opinião realizada com "51.000 engenheiros, geólogos e geofísicos", que constatou que "apenas 26% deles" concordam que a mudança climática é causada pelo homem.

Já seria estranho o suficiente decidir a questão mais complexa das ciências da Terra no último século por uma enquete. Já pensou se a moda pega na astrofísica, por exemplo? "Está resolvido: 51% dos astrofísicos acham que a matéria escura é composta de Wimps". E shazam! No more research needed. Ou na psicologia: "80% dos psicólogos duvidam que haja uma base biológica para a violência". Pronto! Tudo resolvido.

Mas a coisa fica melhor que isso: a tal pesquisa foi feita em Alberta, no Canadá. Pra quem não conhece, Alberta é A província petroleira do país. Os tais geólogos e geofísicos, odds are, trabalham para a indústria do ouro negro. Mas de onde vem a informação divulgada pelo Heartland? De uma matéria jornálística, do progressista Edmonton Journal.

É de cagar um antracito, né?

3 Comments:

Blogger Daniel Doro Ferrante said...

Paranthropus,

Numa coisa vc tem razao: Esse tipo de opiniao "do contra", que vc listou acima, realmente, tem pouco de conteudo centifico, como vc mesmo bem desconstruiu.

Porem, vah lah, isso nao quer dizer que toda critica ao 'global warming' seja assim, sem qualidade e sem base, como essa. Aih vc tambem estah dando uma de 'straw man'! :-P ;-)

Veja, o "problema ecologico" (se assim vc o quiser chamar) tem merito proprio! E, IMHO, eh um erro atrela-lo ao global warming: Nunca se deve colocar meritos proprios em segundos planos! Isso eh um erro cientifico e etico tambem.

Isso posto, o problema do global warming propriamente dito… eh outra estoria altogether. E ele pode ser dividido em varios "fronts" distintos, indo das "simulacoes" ateh aos dados robustos (obtidos das colunas de gelo retiradas na Antartica e afins).

E eu falo do que eu conheco e vi (e ateh pus as maos — mas essa eh outra estoria ;-): as simulacoes nessa area sao ruins; sao *muito* ruins. Essa eh minha avaliacao cientifica do que eu jah vi ateh hoje em materia de simulacoes desse problema: jah cansei de corrigir codigo atras de codigo, de ajustar parametros e de melhorar performances e resultados em ateh 300%! Posso ateh estar errado em generalizar essa avaliacao, mas duvido que outros 'codigos' sejam de qualidade muito melhor do que aqueles que eu vi e mexi.

Portanto, quando neguinho utiliza resultados de simulacoes para prever todo tipo de catastrofe climatica… eu fico, no minimo, 'tenso' — porque, certamente, a qualidade do codigo eh duvidavel.

Por outro lado, eu acho que vc tem razao quando diz que os argumentos usados nesse debate sao "ruins" e "fracos": eu concordo em genero, numero e grau. Porem, eu acho que isso eh verdade para ambos os lados desse embate — principalmente para os argumentos que eu vejo divulgados para o publico leigo (midia em geral, mas sem demonizacoes). Os argumentos mais "cientificos" (por assim dizer), apesar de mais precisos, nao necessariamente sao de qualidade muito melhor.

Entao, eh preciso ter muito senso critico e conhecimento nessa batalha. E certamente nao eh isso que se ve por aih afora, todo santo dia.

Dessa forma, eu acho que seria mais justo se vc percebesse que ambos os lados dessa encrenca sofrem dos mesmos males. ;-)

Um abraco, []'s!

5:25 AM  
Blogger Paranthropus said...

Daniel,

Bem-vindo de volta. (Enfim alguém com quem eu posso debater!) Como vai a gloriosa Providence? Debaixo de três pés de neve, suponho.

Eu sei que as simulações são uma merda e que modelos de circulação global são montados mais ou menos à la carte e que os parâmetros são em grande parte chutados. Mas eu não me apressaria tanto em jogar essa água fora, porque o bebê pode estar dentro da banheira.

Você sabe melhor que eu que em ciência uma andorinha só não faz verão. Quando o IPCC divulga seus relatórios, ele está falando de uma média de uma dezena de modelos distintos, feitos por cabeças diferentes em cantos diferentes do mundo. O Hadley sempre dá um mundo muito mais seco do que os outros modelos, talvez porque os ingleses detestem tanto a chuva. Mas ele é só UM dos modelos usados.

Depois, há parâmetros de modelos mais simples (uni ou bi dimensionais) que são importados depois para os tridimensionais ou usados para validá-los por serem mais realistas. Tem toda a coisa do hindcast, que geralmente consegue prever o século 20 com uma precisão razoável usando os parâmetros do modelo. E, por fim, tem a REALIDADE batendo na nossa cara, as coisas que nós conseguimos MEDIR com satélites e termômetros e contra as quais simplesmente não se pode argumentar.

Concordo com você que os argumentos são pobres de ambos os lados. Mas pelo menos os do IPCC são científicos (que reconhecem suas limitações e as expressam na forma de barras de erro) e não política disfarçada de ciência.

7:53 AM  
Anonymous Anônimo said...

Oi Paranthropus,

Obrigado! Eu também já estava com saudades dos seus posts: é difícil de se encontrar gente inteligente e bem-humorada ao mesmo tempo — o Macaco Simao que o diga! ;-)

Até que Providence, agora, não anda mais tão nevascada... agora só sobrou a areia e o sal no chão, fazendo aquela sopa. :-(

Mas, indo ao filet mignon... ;-)

Antes de tudo: Vc tem razão quando fala do IPCC: são científicos e não políticos — e isso é essencial. É uma pena (e virtualmente impossível de não se acontecer) que temas dessa natureza e importância sejam politizados; taí a Transposição do São Francisco que não me deixa mentir, assim como o MST — mas, essas são outras questões, nada pra ficar aqui, poluindo seu post.

Além disso, o IPCC teve a honrada posição de, ao longo dos anos, 'suavizar' suas predições. Comparar os primeiros relatórios [do IPCC] com os atuais é "apples and oranges". Eu acho isso importante, não só pelo fato em si, mas também por mostrar a natureza mutável e instável da ciência (apesar de ser praticamente impossível de se comunicar essa 'mutabilidade' ao público leigo), e também por ter, finalmente, dado mais ênfase ao mérito *próprio* do problema.

Eu, pessoalmente e IMHO, acho muito importante que se reconheça o mérito próprio das questões climáticas e ecológicas: "Nesse primeiro momento, não interessa muito quem está ou não afetando o clima; o que importa é que isso é um fato. Ponto. O que vamos fazer (em escala global) pra *resolver* e atacar essa questão?!" Claro que também é importante se avaliar as causas das variações climáticas (e, eventualmente, se estabelecer a participação humana nisso tudo). Porém, como esse é um problema *muito* complexo, pode ser que quando finalmente tivermos aprendido o suficiente seja tarde demais. Então, é preciso um tanto de pragmatismo para já começarmos a nos engajar nessas questões independentemente de "culpas" ou "desculpas".

Agora, quanto aos modelos e simulações propriamente ditas — IMHO novamente —, existem diversos "detalhes" que deveriam entrar em consideração nisso tudo e que nunca, sequer, foram mencionados. Por exemplo, a dimensionalidade do problema (1-dim, 2-dim, 3-dim) é uma questão importantíssima, não só por causa dos efeitos de "scaling" que podem ser calculados, como também pela observação de que um problema em 1-dim é bem diferente dum problema em 3-dim.

Por exemplo, é fácil de se "mapear" o problema climático (i.e., as simulações climáticas) num problema de "Lattice QFT" (ou "Lattice Gauge Theory"). Porém, infelizmente e por razões que eu desconheço completamente, isso é pouco conhecido e pouco utilizado pelo mundo afora. (Me parece que o Brad Marston, aqui da Brown, é um dos pioneiros nesse 'approach' — sem querer puxar sardinha nenhuma que eu não ganho pra isso. ;-) Uma vez que essa "tradução" é feita, imediatamente se tem diversas ferramentas disponíveis; conhecimento que já foi acumulado em "Lattice Gauge Theory" mas que ainda não teve nem a superfície arranhada pelos climatologistas (pelo menos até aonde eu sei, posso muito bem estar enganado). Fora isso, há também a questão de que muitos desses modelos rodam em "Mathematica" ou "Maple" ou, com sorte, num "MatLab" da vida. :-( Isso sim é muito triste. Pelo que me consta (e, aqui, eu acho que não estou errado) é só um grupinho (de, no máximo, meia-dúzia) que tem se aventurado a usar técnicas mais refinadas e robustas de programação: "Python wrappers over C/C++ code."

E olha que, até agora, eu nem abri o baú que diz que as equações que regem esse problema são *caóticas*. Estou deixando essa questão de lado pelo simples fato de que temos uma abundância enorme de dados, que continuamente são coletados, dioturnamente. Essas medidas experimentais ajudam *muito* a simplificar o problema em mãos.

Mas, de qualquer forma, ainda estamos muUuito longe de poder calcular o clima da Terra toda. Pelo que eu sei, a precisão é de 5Km² em grids do tamanho de cidades inteiras. Ou seja, a coisa ainda é bem "coarse grained".

Obrigado pela lustrada no ego! :-)

Um abração, []'s!

8:28 AM  

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