Um fator ignorado do desmatamento: uma proposta de investigação
ABSTRACT
O ciclo das commodities, como madeira, carne bovina e soja tem sido apontado estudo após estudo como fator-chave para a compreensão da dinâmica do desmatamento na Amazônia. Essa dinâmica segue geralmente o modelo do "boom-colapso", descrito por Celentano e Veríssimo (Celentano e Veríssimo, 2007). Fatores outros, como a presença de estradas e de obras de infra-estrutura (Nepstad, 2000, Laurance, 2001) têm sido considerados vetores cruciais da atividade, bem como assentamentos de reforma agrária (Brandão Jr. & Souza Jr., 2006) . Este artigo vem propor um vetor até aqui ignorado e igualmente importante: a garrafa térmica.
INTRODUÇÃO
A garrafa térmica é o principal fator de mobilidade do gaúcho (Veríssimo, 1981). Ela permite manter a água quente por longos períodos de tempo e em praticamente qualquer lugar, o que por sua vez torna possível ao gaúcho exercer seu ethos não apenas em casa como também em praças, na praia e em virtualmente qualquer lugar do Brasil ou do mundo onde se possa conseguir mate e um jeito de fazer fogo. Sua popularização, concomitante ao esgotamento das terras para produção agropecuária no Rio Grande do Sul, permitiu a levas de gaúchos emigrarem para novas fronteiras agrícolas - lugares onde nem ao menos havia eletricidade, como Rondônia, Mato Grosso do Sul e o norte de Mato Grosso.
Uma vez que os gaúchos estão por trás de parte substancial da abertura de novas áreas para a produção de carne e grãos na Amazônia, replicando o modelo de ocupação de terras em seu Estado nativo, argumentamos que a garrafa térmica (ou simplesmente "térmica"), ao possibilitar a fixação de colonos sul-riograndenses, tem dado uma contribuição involuntária e de dimensões até agora desconhecidas ao maior crime ambiental praticado na história recente do Brasil, que já eliminou 700 mil quilômetros quadrados de floresta.
MATERIAL E MÉTODOS
Diante da falta de dados estatísticos sobre a produção, a venda e o uso de garrafas térmicas cruzados com os dados de desmatamento do Prodes e de demografia do IBGE, o autor usou uma abordagem qualitativa, lançando mão de recursos disponíveis na internet.
A figura abaixo mostra o cruzamento de um mapa de satélite da Amazônia obtido no Google Earth com a lista espacializada de representantes comerciais da Invicta, uma das mais importantes marcas nacionais de garrafa térmica.
O padrão de distribuição espacial da venda de garrafas térmicas chama atenção imediatamente por se sobrepor não apenas a zonas povoadas, mas por ter uma coincidência quase perfeita com o chamado Arco do Desmatamento. Impressionante é ver como as garrafas térmicas ocupam uma linha reta ao longo da BR-364, em Rondônia - o Estado mais gaúcho e mais desmatado da Amazônia. Como esperado, também se distribuem ao longo da BR-163, da Transamazônica e da Belém-Brasília, na porção leste do Pará.
Das 19 cidades marcadas neste mapa com representação da Invicta, 7 (36%) integram a lista dos 36 municípios campeões de desmatamento. Uma oitava, Brasil Novo, não pôde ser localizada.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O presente artigo apresenta apenas uma proposta de investigação, mas um dado intrigante e novo que pode vir a ser útil na formulação de políticas públicas contra o desmatamento e a erosão de biodiversidade que ele enseja. Mais pesquisas e dados quantitativos serão necessários para a confirmação dessa hipótese de trabalho. No futuro, o monitoramento do mercado de garrafas térmicas poderá ser incorporado aos métodos e sistemas de vigilância da Amazônia, como forma de ir além dos alertas em tempo real gerados pelo SAD e pelo Deter e chegar a prever onde ocorrerão desmatamentos futuros.
O ciclo das commodities, como madeira, carne bovina e soja tem sido apontado estudo após estudo como fator-chave para a compreensão da dinâmica do desmatamento na Amazônia. Essa dinâmica segue geralmente o modelo do "boom-colapso", descrito por Celentano e Veríssimo (Celentano e Veríssimo, 2007). Fatores outros, como a presença de estradas e de obras de infra-estrutura (Nepstad, 2000, Laurance, 2001) têm sido considerados vetores cruciais da atividade, bem como assentamentos de reforma agrária (Brandão Jr. & Souza Jr., 2006) . Este artigo vem propor um vetor até aqui ignorado e igualmente importante: a garrafa térmica.
INTRODUÇÃO
A garrafa térmica é o principal fator de mobilidade do gaúcho (Veríssimo, 1981). Ela permite manter a água quente por longos períodos de tempo e em praticamente qualquer lugar, o que por sua vez torna possível ao gaúcho exercer seu ethos não apenas em casa como também em praças, na praia e em virtualmente qualquer lugar do Brasil ou do mundo onde se possa conseguir mate e um jeito de fazer fogo. Sua popularização, concomitante ao esgotamento das terras para produção agropecuária no Rio Grande do Sul, permitiu a levas de gaúchos emigrarem para novas fronteiras agrícolas - lugares onde nem ao menos havia eletricidade, como Rondônia, Mato Grosso do Sul e o norte de Mato Grosso.
Uma vez que os gaúchos estão por trás de parte substancial da abertura de novas áreas para a produção de carne e grãos na Amazônia, replicando o modelo de ocupação de terras em seu Estado nativo, argumentamos que a garrafa térmica (ou simplesmente "térmica"), ao possibilitar a fixação de colonos sul-riograndenses, tem dado uma contribuição involuntária e de dimensões até agora desconhecidas ao maior crime ambiental praticado na história recente do Brasil, que já eliminou 700 mil quilômetros quadrados de floresta.
MATERIAL E MÉTODOS
Diante da falta de dados estatísticos sobre a produção, a venda e o uso de garrafas térmicas cruzados com os dados de desmatamento do Prodes e de demografia do IBGE, o autor usou uma abordagem qualitativa, lançando mão de recursos disponíveis na internet.
A figura abaixo mostra o cruzamento de um mapa de satélite da Amazônia obtido no Google Earth com a lista espacializada de representantes comerciais da Invicta, uma das mais importantes marcas nacionais de garrafa térmica.
O padrão de distribuição espacial da venda de garrafas térmicas chama atenção imediatamente por se sobrepor não apenas a zonas povoadas, mas por ter uma coincidência quase perfeita com o chamado Arco do Desmatamento. Impressionante é ver como as garrafas térmicas ocupam uma linha reta ao longo da BR-364, em Rondônia - o Estado mais gaúcho e mais desmatado da Amazônia. Como esperado, também se distribuem ao longo da BR-163, da Transamazônica e da Belém-Brasília, na porção leste do Pará.
Das 19 cidades marcadas neste mapa com representação da Invicta, 7 (36%) integram a lista dos 36 municípios campeões de desmatamento. Uma oitava, Brasil Novo, não pôde ser localizada.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O presente artigo apresenta apenas uma proposta de investigação, mas um dado intrigante e novo que pode vir a ser útil na formulação de políticas públicas contra o desmatamento e a erosão de biodiversidade que ele enseja. Mais pesquisas e dados quantitativos serão necessários para a confirmação dessa hipótese de trabalho. No futuro, o monitoramento do mercado de garrafas térmicas poderá ser incorporado aos métodos e sistemas de vigilância da Amazônia, como forma de ir além dos alertas em tempo real gerados pelo SAD e pelo Deter e chegar a prever onde ocorrerão desmatamentos futuros.
9 Comments:
kkkk... olha o IgNobel, hein? Em algum buraco na India representantes do govenrno notaram alarmados que o numero de mortes (numero, nao a taxa) local aumentava na mesma proporcao que o consumo de pilhas (tipo Rayovac). Baniram a venda de pilhas.
Adorei! Em especial a parte do "mais pesquisas e dados serão necessários para a confirmação da hipótese"... Acho que poderia ser proposto um cruzamento de dados com a venda de mate nestas áreas. Tornaria mais fidedigna a hipótese.
Olha que pode mesmo ter uma ligação ortográfico semântica: des-MATE-amento, devido ao consumo do mate por lá. Feliz 2009!
Que barbaridade! ahahahah
E eu que pensava, grosseira e empiricamente, que o problema era o chimarrão! Nada como uma verdadeira abordagem científica. Imagino que a pesquisa possa fomentar políticas públicas, tais como proibir o uso, o transporte e o comércio desse produto em toda a Amazônia Legal e adjacências.
O problema, Tuffa, é o GAÚCHO. A garrafa térmica é apenas um "enabler", já que possibilita ao gaúcho fazer chimarrão em qualquer lugar.
Eu acho que as operações da PF tinham de apreender, além de skidders e motosserras, também garrafas térmicas, cuias e bombas. Imagina o Messias apresentando esses dados na coletiva: "xx tratores, yyy motosserras, zzz milhões em multas e xxx garrafas térmicas apreendidas". Ia ser uma baaarbaridade.
Baahh, que preconceito, tchê!
E a responsabilidade dos paulistas? Tente cruzar os dados do desmatamento com os de venda de cerveja ruim e terás tua resposta!
Muito bom. Mandei para um amigo meu da pós-graduação que é gaúcho. Ele vai me xingar hahah
Abraços.
Grande Paranthropus,
Escutei do próprio Veríssimo uma explicação de um estudo dele sobre a erradicação de ratos no armazenamento de grãos através do uso de graxa nas sacas. Os ratos sobem nas sacas, escorregam na graxa e morrem na queda. Entenda, foi no início da carreira dele como pesquisador.
Tua proposta tem muito haver com algumas idéias dele. Por isso, vou dar um jeito de enviar o post pra ele.
Aqui no Acre é um saco ter que desviar dos gaúchos, que teimam em sentar no meio das calçadas para a degustação da bebida. Se no meio tivesse pelo menos uma gaúcha, tudo bem.
Abraços,
Marky
Rapaz, então as coisas desmelhoraram aí. No meu tempo "no" Rio Branco tinha cada gaúcha de parar o trânsito na Avenida Ceará... todos os quatro carros.
(bom, agora minha mulher catarinense vai me matar)
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