Ideias antigas

Fósseis, árvores, minorias, filhos e outras coisas fora de moda

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Apenas uma relíquia do Plioceno...

terça-feira, maio 06, 2008

O Globo faz apologia da grilagem

NÃO DEVERIA MERECER contestação o inacreditável editorial "Gerando conflitos", publicado hoje pelo jornal O Globo. Mas é tamanha a virulência com que a imprensa brasileira defende a usurpação de terras públicas na Amazônia que eu não resisto a rebatê-lo ponto a ponto.

A primeira coluna do editorial é até uma diatribe perdoável (e essencialmente correta) contra a omissão do Estado e o caos da política indigenista, excessivamente dependente de ONGs (não gosto da sigla, porque remete a Greenpeace e à "Máfia Verde"; o certo seria falar em "fundações"). Mas o que se segue é uma apologia ao genocídio, um discurso pré-Constituição de 88, em nome da "modernidade".

Senão vejamos:

"Não fosse a trégua estabelecida pelo Supremo, 50% do território de Roraima passariam a constituir-se de 'nações indígenas' (...) Por trás dessa realidade está o pensamento dos que querem estabelecer 'compensações' aos indígenas por tudo o que aconteceu no passado (...)"

BOM, tecnicamente são 43% do território e não 50%. De qualquer forma, o que sobra para menos de 200 mil roraimenses "não-índios" é uma área maior que a de Alagoas e Sergipe. Isso não basta?

"Isso não tem relações com o Brasil moderno e nem com a primeira abordagem política dessa questão - a do Marechal Rondon (...) ele mesmo de sangue indígena"

O EDITORIALISTA (que provavelmente tenha ele mesmo "sangue indígena", se por isso quiser dizer DNA mitocondrial indígena) precisa antes de tudo decidir o que quer: se falar do Brasil moderno ou do Brasil de 1910, da política positivista e assimilacionista herdada do século 19. Se estiver falando do Brasil moderno, podemos estabelecer como um marco arbitrário a Constituição de 88, que nos devolveu a democracia e estabeleceu o direito à diferença e à preservação das culturas indígenas. Erra, portanto, em sua avaliação.

Se estiver falando de Rondon, erra também. O marechal deve estar se revirando no túmulo ao ver quantas vezes seu santo nome foi indebitamente apropriado nas últimas semanas pelos que querem ver os índios massacrados ou servindo de mão-de-obra barata em fazendas de gente "bacana" e "progressista". Rondon era herdeiro de uma tradição intelectual segundo a qual era preciso dividir com os índios as benesses da civilização. Por amor a eles, não por imperativo civilizatório. O que a imprensa tem convenientemente omitido foi a posição dos herdeiros imediatos de Rondon, os irmãos Villas-Bôas, para os quais a única maneira de ganhar tempo para os índios seria demarcar terras grandes e contínuas e dar-lhes a opção de compartilhar ou não essas benesses do mundo "civilizado".