Ideias antigas

Fósseis, árvores, minorias, filhos e outras coisas fora de moda

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Apenas uma relíquia do Plioceno...

domingo, maio 29, 2005

Istoé inacreditável

QUEM ACHA que já leu de tudo nesta vida não pode perder de jeito nenhum a edição desta semana da revista Istoé Dinheiro. O incorruptível fanzine anuncia, em sua capa, um furaço de reportagem: há uma conspiração internacional para retirar a Amazônia das mãos do Brasil e entregá-la para ___________ (escreva aqui o nome da sua potência/organização estrangeira favorita).

Isso mesmo, senhoras e senhores: a Istoé REVELOU o grande golpe para internacionalizar a Amazônia! Tudo armado pelo Paulo Adário, o agente da CIA disfarçado de ativista do Greenpeace, e outros ongueiros que travestem de dicurso ambientalista a sua real intenção de abocanhar as riquezas ______________ (escreva aqui o nome da sua commodity favorita) fornecidas pela floresta.

E no que se baseia a Istoé Dinheiro para sustentar tamanho furo de reportagem? Ora, não se faça de inocente, caro leitor! Nas declarações do agora chefão da OMC, Pascal Lamy, de que o Brasil deveria aceitar "soberania relativa" sobre a Amazônia; em aspas de um militar; e, principalmente, em declarações de meu amigo Blairo Maggi, o rei da soja, principal vítima da ação midiática do Greenpeace quando da divulgalção dos números do desmatamento.

Olha, se eu não conhecesse bem a Istoé Dinheiro, veículo cujo padrão ético é famoso na imprensa brasileira, diria que a família Azulgaray levou uma boa grana do Grupo Maggi para plantar (com a vênuia do trocadilho) essa matéria.

Anote aí

NICIAS RIBEIRO é o nome da fera. Sua foto no site da Câmara dos Deputados revela uma figura esquisita, pra dizer o mínimo, e de fazer inveja aos sonhos mais loucos de Saruman, pra dizer o máximo. Esse nobre deputado do baixo clero PSDB do Pará foi incumbido pelos ruralistas, com a bênção do tucanato, de jogar areia no projeto de MP do governo de interditar 8 milhões de hectares ao longo da BR-163 para fazer unidades de conservação.

O députado Nicias odeia mato. Quer "produção" e "progresso", "emprego" e "renda" na 163. O mato que se exploda. Bom mesmo é pasto e lavoura. Convenientemente, o PSDB quer fazer trocas com o governo Lula. Então, Nicias e seus aríetes sobem no palanque e desancam a Medida Provisória até o último parágrafo. Aí, o PT vem e negocia. Como tudo o mais, a Amazônia virou moeda de troca no mercadão do Severino.

Com todo respeito, deputado, eu também venho de uma família de pecuaristas. Eu adoro pasto. Mais do que isso, adoro uma picanha no alho. Mas se o senhor, como eu, quer ver a produção rural gerar emprego e renda na Amazônia, por que não volta seus discursos para os 65 milhões de hectares de áreas desmatadas e abandonadas na região Norte? Ali dá pra botar um boi danado. E toda a soja que o sr. quiser. E milho e arroz também, pra deixar o pessoa de Pacaraima feliz.

Essa insistência em melar o plano de conservação na BR-163, por outro lado, parece mais coisa de quem quer especular com terra. Desmatar horrores para produzir um nada. E depois do fato consumado, vender a terra para a Cargill ou para o grupo Bertin e encher a burra de cruéis. Parece, enfim, coisa de grileiro, deputado. Mas como eu sei que o senhor não é disso, peço que reconsidere.

quarta-feira, maio 25, 2005

Cadeia de comando

CAPOBIANCO: "A culpa é do Blairo Maggi!"

MAGGI: "A culpa é dos posseiros!"

POSSEIROS: "A culpa é da miséria!"

ALCKMIN: "A culpa é do Serra!"

SERRA: "A culpa é de São Pedro!"

Sendo "miséria" e "São Pedro" inimputáveis, acho que tem alguém aí tirando da reta.

sábado, maio 21, 2005

Renuncia, Marina!

A MINHA HEROÍNA Marina Silva adora citar a Bíblia em entrevistas. Pois eu tenho uma citação para ela: Se o teu cargo de esquerda cometeu pecado, arranca-o e atira-o longe de ti. Porque é melhor entrar sem ele no Céu do que arder com ele no fogo da Geena.

Chquinha, minha filha, você é o máximo, mas está na hora de afastar de ti esse cálice. Vejamos:

1 - O segundo desmatamento mais alto da história aconteceu na sua gestão;
2 - Seu chefe deixou que o anúncio dessa vergonha fosse feito no seu ministério. Não se dignou a ir. Não mandou nem o superministro Zé da Roça para representá-lo (aliás, ele, o Zé, é o cara que coordena o plano de ação contra o desmatamento, mas estava ocupado demais com CPI...);
3 - Fez aquele discursinho de merda ontem dizendo que "feliz do país que tem Marina Silva..." que equivaleu a um afago depois da chibatada;
4 - Você insiste em defender esse cara!!

Marina, morena Marina, não tem um ambientalista neste país hoje que ache que essa sua estratégia de "transversalidade" deu certo. Caia na real, menina. Volte para o Senado e salve o que resta do seu filme. Nós te amamos. O Lula não te ama.

terça-feira, maio 17, 2005

Conspiração internacional

HEY, HERMANO! Recebo de um amigo em posição importante a informação de que os IDevotos estão articulando uma conspiração internacional para dominar o mundo. Eles já têm o Bible Belt, o Rio de Janeiro e Vitória da Conquista. Agora, querem penetrar (a expressão é essa mesma) o coração da SBPC.

Sim, companheiro! William Dembski (ou seria "Dumbski"?), um dos santos maiores do pavilhão dos IDevotos, é assim com o Enézio. Veja o que o IDiota publicou no seu blógue sobre "como estamos ganhando o Brasil".

Cuidado, homem do tempo!

VOCÊ PODE SER o próximo alvo dos criacionistas, a julgar pelo impagável e imperdível post no "Panda's Thumb": http://www.pandasthumb.org/pt-archives/001046.html#more

Encíclica

LANÇO AQUI a proposta de criação de uma igreja.

Ela vai se chamar "Igreja Gouldiana dos Manifestos Não-Intervenientes". E professará:

1 - Que todos os homens, mulheres, gays e lésbicas têm direito e liberdade de crença religiosa, e o direito de praticar essa religião enquanto ela não conflitar com direitos e liberdades alheios;

2 - Que todos os cientistas têm direito e liberdade de achar que o parágrafo acima é uma idiotice completa, enquanto essa crença não conflitar com direitos e liberdades alheios;

3 - Que todas as crianças têm direito de aprender sobre ciência na escola e sobre religião na igreja;

4 - Que não haverá nenhum tipo de discussão científica na esfera eclesiástica, nem nenhum tipo de discussão religiosa na esfera acadêmica.

segunda-feira, maio 16, 2005

Quem é o dono da verdade? Darwin, oras!

MEU RELATIVISTA cultural favorito, Marcelo Leite, chama atenção para um artigo na Slate sobre a polêmica revisão do currículo escolar do Kansas (um dos Estados americanos que definitivamente deveriam ser riscados do mapa) de modo a incluir a "teoria" do Design Inteligente, uma versão do bom (?) e velho literalismo bíblico que tenta se disfarçar de ciência.

O artigo sustenta que os criacionistas estão "evoluindo" e que, agora, em vez de gritar de Bíblia em punho que a Terra foi feita em seis dias, preferem dizer que existe uma "complexidade irredutível" na origem da vida que só seria compatível com um "designer inteligente" (______ escreva aqui o nome do seu candidato predileto), e que os evolucionistas estão vacilando ao deixar de debater vigorosamente com esses figuras.

Embora eu concorde com a premissa (acho, sim, que os biólogos precisam descer do salto e combater o criacionismo de frente _algo que, aliás, a Sociedade Brasileira de Genética começa a fazer, a julgar por nota no jornal O Globo neste domingo), acho que a concepção de ciência do autor do texto está fundamentalmente equivocada. Veja o que diz a Slate sobre o Design Inteligente, citando um IDevoto:

"Um proponente do ID reconhece que a teoria do ID pode ser falseada por novas evidências. O ID é como uma grande barraca sob a qual muitas teorias religiosas e não-religiosas sobre as origens podem encontrar um lar. O ID propõe simplesmente que a vida e sua diversidade foram o produto de uma inteligência com poder de manipular matéria e energia."

Pode ser que eu queime no fogo do inferno por causa disso, mas a frase acima se desmonta sozinha, dando TODA RAZÃO aos biólogos que chamam os IDevotos de neandertais. Diferentemente do que crê o articulista da Slate, o Design Inteligente NÃO PODE SER TESTADO cientificamente, porque não há evidência capaz de falsear sua proposta fundamental (ou seria "fundamentalista"?) de que a vida é produto "de uma inteligência com poder de manipular matéria e energia". Afinal, se _________(escreva aqui o nome do seu "Designer Inteligente" favorito) é mesmo capaz "de manipular matéria e energia", e se o fez em algum lugar do passado biológico da Terra, por que razão Ele tirou a mão da massa depois? Ou será que Ele intervém periodicamente quando a coisa aperta, tipo durante a Explosão Cambriana, há 445 milhões de anos, ou quando o Homo sapiens moderno surgiu, há 200 mil anos?

Claro, aí vem também a velha falácia da "censura": pobres de nós, proponentes do Design, que somos silenciados pelo "establishment" ateu-materialista-dono-da-verdade-cético-cientificista-reducionista-que-não-aceita-outras-verdades-e-ou-outras-ciências. Bullshit. Garanto que os editores da Science e da Nature adorariam dar uma capa para um estudo que provasse que ______ (escreva aqui o nome da sua Inteligência Superior islâmico-judaico-cristã favorita) existe.

Como isso não vai acontecer, que tal se deixarmos as aulas de biologia nas mãos de Darwin e as convicções religiosas sobre as origens nas dos padres e pastores aos domingos de manhã?

sexta-feira, maio 13, 2005

Do peru

LIMA, Peru, May 13 (Reuters) - A Peruvian woman sank her teeth into the testicles of a man who broke into her property to steal cattle and tried to rape her, leaving doctors no option but to lop one off, police and officials said on Friday.‘It looked like a dog bite. The man arrived with his right testicle dead and hanging by a thread ... there was nothing to do but cut it off,‘ said Hugo Jaime, a surgeon in the regional hospital in Huanuco in the Andes northeast of Lima.The incident happened on Monday night in a remote village when Hermogenes Meza and 10 men broke tried to steal Elizabeth Coz’s cattle.Coz was not arrested because she acted out of self defense, the officer added. The men ran away when Coz and relatives started stoning them.

quinta-feira, maio 12, 2005

Deus nos acuda

UMA ILUSTRE universidade federal paulista promove mês que vem uma palestra com o físico nuclear Adauto J.B. Lourenço, especialista em matéria condensada.
Até aí, legal. No worries.
O problema é o tema da tal charla: CRIACIONISMO CIENTÍFICO. Terra jovem. Design Inteligente.
Numa universidade federal.
Eles estão mesmo dominando o mundo.

domingo, maio 08, 2005

Feliz dia das mães!

GRANDE BUKOWSKI! Sempre pronto para dizer uma palavra amiga num momento difícil.



The Blackbirds are Rough Today


lonely as a dry and used orchard
spread over the earth
for use and surrender.
shot down like an ex-pug selling
dailies on the corner.
taken by tears like an aging chorus girl
who has gotten her last check.
a hanky is in order your lord your
worship.

the blackbirds are rough today
like
ingrown toenails
in an overnight
jail---
wine wine whine,
the blackbirds run around and
fly around
harping about
Spanish melodies and bones.

and everywhere is
nowhere---
the dream is as bad as
flapjacks and flat tires:

why do we go on
with our minds and
pockets full of
dust
like a bad boy just out of
school---

you tell
me,
you who were a hero in some
revolution
you who teach children
you who drink with calmness
you who own large homes
and walk in gardens
you who have killed a man and own a
beautiful wife
you tell me
why I am on fire like old dry
garbage.

we might surely have some interesting
correspondence.
it will keep the mailman busy.
and the butterflies and ants and bridges and
cemeteries
the rocket-makers and dogs and garage mechanics
will still go on a
while
until we run out of stamps
and/orideas.

don't be ashamed of
anything; I guess God meant it all
like
locks on doors.

sexta-feira, maio 06, 2005

Human rights watch

23:15
"Eu sei o que você quer, mas a gente não vai estar podendo fazer o seu infográfico agora."

VEJA que não sou só eu

TRAÇOS DE REALIDADE
GILBERTO MARINGONI
2/5/2005
Quem precisa de Veja?
Em matéria de capa, revista acusa Chávez de ameaçar estabilidade na América Latina, repetindo recado de Condoleezza Rice. Veja, que exaltou o golpe de abril de 2002 contra Chávez, tenta firmar-se como o maior panfleto da direita brasileira
Veja se autoproclama uma “revista semanal de informação”. Para obter sucesso, conta sempre com a falta de informação e de memória alheias. Veja, não nos esqueçamos, apoiou Collor no início. Em dezembro de 1994, chegou a classificar, em matéria de capa, o Plano Real como “O novo milagre brasileiro”. Para atacar o MST, não teve dúvidas em adulterar uma foto do líder do Movimento, João Pedro Stédile, ou de falsear informações sobre a luta pela terra.
Atravessado na garganta de Veja está o presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frías. Os motivos são basicamente dois. Um é – chamemos as coisas pelos nomes – ideológico. Veja soma-se ao ódio de fundo – pelos nomes, pelos nomes! – classista, racista e político devotado ao mandatário venezuelano pela mídia de seu país, que o sataniza ao ponto de concluir tratar-se de um débil mental. A pauta é ditada pela imprensa estadunidense mais conservadora, tendo o Washington Post à frente. Veja acha que Chávez não é democrático. Até aí, é um direito de quem manda na publicação.
Estragou uma capa
Mas o ódio de Veja tem por base um outro elemento, mais concreto. Chávez estragou uma capa que deve ter dado muita satisfação à alta direção da empresa da família Civita. Recordemos a chamada de capa do número 1.747, datada de 17 de abril de 2002. A edição fechava na noite de sexta-feira, 12 de abril. Menos de 20 horas antes, a oposição a Chávez – composta por membros do empresariado, em aliança com o alto comando das forças armadas, setores da burocracia petroleira e a Casa Branca – consumara um golpe que o retirara do palácio de Miraflores, acabando com as instituições democráticas do país. Veja não teve dúvidas. Sapecou na capa a chamada “A queda do presidente fanfarrão”.
Na página 45, a revista sentenciava:
"Chávez se considerava um Robin Hood bolivariano. Era mais um bufão, que entretinha o povão com programas de televisão em que se portava mais como animador de auditório do que como presidente. Sua queda foi recebida como boa notícia no mundo: melhorou o índice risco-país da Venezuela, a bolsa de Caracas disparou (alta de 8%) e o preço internacional do petróleo caiu 9%".
Todos sabem o resto da história. Quando chegou às bancas, na manhã de domingo, a edição estava para lá de velha. Milhões de venezuelanos nas ruas e uma inédita divisão do exército abortaram o golpe. Veja sequer pediu desculpas aos leitores pela barriga, na semana seguinte. Se os fatos não se ajustam à manchete, danem-se os fatos, parece ser a máxima da direção de Veja. Imperdoável a petulância do mestiço em teimar voltar ao poder e estragar uma manchete do maior semanário brasileiro do mundo!
Condinha paz e amor
Agora, Veja volta à carga na edição desta semana, aliás, primorosa no que revela de sua linha editorial. A capa é eloqüente: “Quem precisa de um novo Fidel?” Encimada pela expressão carrancuda do líder venezuelano, a manchete logo emenda: “Com milícias, censura, intervenção em países vizinhos e briga com os EUA, Hugo Chávez está fazendo da Venezuela uma nova Cuba”.
A entrevista das páginas amarelas é com a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. O tom é todo Condinha paz e amor, como se vê pelo trecho seguinte: “Mesmo quando a missão inclui assuntos mais comezinhos, como as encrencas de Hugo Chávez na Venezuela e as hesitações brasileiras na Alca, Condi tem se saído extraordinariamente bem na Operação Simpatia. Sua espetacular história de sucesso a precede: nascida no coração racista da América, entrou na faculdade aos 15 anos, formou-se aos 19, doutorou-se com 26. Pianista, especialista em relações internacionais e fluente em russo, chegou a reitora de Stanford e, embora negue quase que diariamente, o caminho da Casa Branca é uma possibilidade no horizonte”.
Não há encrencas COM Hugo Chávez, mas encrencas DE Hugo Chávez, de acordo com o olho da entrevista. O pingue-pongue pauta a edição. Mas a grande arte está lá pelo meio da revista, sob o espirituoso título “O clone do totalitarismo”. Em seis páginas ficamos sabendo, entre outras coisas, o que se segue. Alguns comentários são colocados abaixo de cada trecho.
"Chávez tem um objetivo claro: quer se tornar o grande líder de massas da América Latina’, disse à Veja o historiador venezuelano Manuel Caballero, o mais respeitado do país”. A revista conta com o desconhecimento dos leitores para fazer afirmações peremptórias. Manuel Caballero, com toda sua longa trajetória acadêmica, só é respeitado na Venezuela pelos monopólios privados da mídia e pelas elites econômicas. Tornou-se um destemperado e folclórico opositor de Chávez, a que volta e meia a imprensa estrangeira recorre em busca de frases bombásticas.
"Chávez dá dinheiro e apoio político e técnico para movimentos de esquerda latino-americanos".Sequer a CIA consegue levantar uma única evidência de que tal fato esteja acontecendo.
"Venezuela substituiu a União Soviética como patrocinadora do regime castrista em Cuba, fornecendo petróleo e abastecendo o país de bens de consumo industrializados, tudo a preço simbólico ou a fundo perdido".Não há preço simbólico ou fundo perdido. Há um acordo, firmado em 30 de outubro de 2000, pelo qual a Venezuela fornece a Cuba 53 milhões de barris diários de petróleo – metade do que a Ilha consome – a preços de mercado, com prazo de carência de até 15 anos. Além de pagar, Cuba compensa as condições de financiamento mediante o fornecimento de serviços médicos, educacionais e esportivos, além de remédios, vacina e açúcar. A íntegra do acordo pode ser lida em: http://www.asambleanacional.gov.ve/ns2/leyes.asp?id=175 Seria bom aos elementos responsáveis pelos textos de Veja darem uma lida antes de mentirem aos seus leitores.
"O presidente venezuelano interfere nos assuntos internos de outros países de várias maneiras".Quem interfere em assuntos de outros países é o governo dos Estados Unidos. Só Veja, ao que parece, não se dá conta disso.
"Hugo Chávez adotou um virulento discurso antiamericano".Qualquer pessoa medianamente informada sabe que isso não é verdade. Em várias oportunidades, Chávez afirmou que não tem nada contra os Estados Unidos, mas se opõe ao governo do país e suas práticas imperiais. A verdade é que Chávez tem um discurso antiimperialista.
"Ele diz a toda hora que os americanos querem matá-lo ou estão prontos para invadir o país. Até agora, de real, o que se viu foi o governo de George W. Bush evitar respostas às provocações”.Até agora o que de real se viu foi o governo Bush patrocinar, entre outras coisas, um golpe de estado. Uma recomendação aos redatores de Veja: encomendem o recém-lançado livro "El código Chávez – decifrando la intervención de los EE.UU. en Venezuela", da advogada estadunidense Eva Golinger (Fondo Editorial Question, 336 páginas). O volume é resultado de uma exautiva garimpagem em documentos oficiais do Departamento de Estado e do Departamento de Defesa, obtidos sob o amparo da Lei de Liberdade de Informação (Freedom Information Act). Em suas páginas, a autora desvenda – com fartas provas e evidências - as relações entre a entidade conhecida por NED (National Endowment for Democracy) e a oposição venezuelana, incluindo fornecimento de dinheiro e uso de chantagem política e estímulo à violência. É ressaltado ali que o embaixador estadunidense, Charles Shapiro, foi o primeiro a se reunir com o líder do golpe de 2002, Pedro Carmona. E, entre muito mais, o livro detalha – com os números de matrícula – as embarcações e aviões dos EUA que entraram em águas territoriais venezuelanas, sem autorização, durante o golpe.
"Uma das preocupações americanas decorre de compras de armas em quantidade muito acima do que seria razoável num país cujo Exército tem apenas 35.000 homens. De janeiro para cá, a Venezuela comprou mais de 7 bilhões de dólares em aviões de combate, helicópteros, navios e sistemas de radares. O pacote russo inclui 100.000 fuzis AK-47".A Venezuela tem investido nas forças armadas principalmente para defender suas fronteiras e para isso os aviões Super Tucanos são ideais. O que tem acontecido na divisa com a Colômbia é uma intensa provocação à Venezuela. As forças armadas do país presidido por Alvaro Uribe são dirigidas, armadas e instruídas pelos EUA, através do Plano Colômbia, - informação omitida por Veja - em seu combate à guerrilha das Farc, que controla 40% do país. A movimentação é clara: empurrar contingentes das Farc para o território venezuelano, na tentativa de se acusar Chávez de acobertar a guerrilha. E, claro, de cumplicidade com o terrorismo, qualificativo utilizado pela Casa Branca para classificar as Farc.
"Em 1958, um pacto garantiu estabilidade política até os anos 90, um dos mais longos períodos de democracia do continente".Ninguém sério acredita nisso. Em 1958, as elites políticas e econômicas selaram o Pacto de Puntofijo, para criar uma alternância de poder de fachada, enquanto submetia a esquerda e as forças populares a uma duríssima repressão.
A matéria tem muito mais. É impossível dizer onde está a pior parte. É um panfleto, bem ao gosto do que faz na Venezuela a imprensa local. Como ela, Veja não trafega pelos caminhos do apego à realidade. Sua matéria prima é a ficção e a lorota pura e simples. É parte do novo coro golpista que se avoluma contra um governo democraticamente eleito, tendo como repetidores outros órgãos da imprensa brasileira.
Que os Civita façam isso, é papel deles. Mais uma vez – chamando as coisas pelo nome – é papel de sua classe social. A matéria é assinada por Diogo Schelp, Ruth Costas e José Eduardo Barella. São contratados e fazem o que o patrão manda. Servir bem para servir sempre, parece ser o lema. Talvez acreditem no que escrevam. Mas não deixa de ser deprimente a existência de gente que tope assinar uma peça totalmente editorializada e anti-jornalística, apenas para manter seus proventos no fim do mês.
É certo que a vida anda difícil, mas tem um pessoal que pega pesado.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista da Agência Carta Maior, é autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo)

segunda-feira, maio 02, 2005

Azar dos fatos

MEU MUY AMIGO Marcelo Leite bem notou uma vez que não sabia por que ainda perdia seu tempo lendo coisas como Veja e Exame. Hoje eu tive a infelicidade de me deparar com a versão que a "Indispensável" (sic) deu ao conflito entre índios, índios e fazendeiros em Roraima por conta da homologação da área Raposa/Serra do Sol. Não sei por que razão, me dei o trabalho de ler. E também não sei por que me dou o trabalho de contestar a "tese" da reportagem aqui, ponto a ponto. Porque contestar a Veja é mais ou menos como debater com criacionistas. É um exercício completamente inútil, mas irresistível devido à raiva despertada pela desfaçatez com que ambos contam mentiras e distorcem fatos.

Então, seguem meus comentários à matéria do otherwise very reasonable Otávio Cabral, um jornalista que entende tudo de Congresso, mas que pelo visto nunca tinha viajado antes à Amazônia.

"Em vez de transformar a região num celeiro de grãos e gado, sucessivos governos passaram a dar maio ênfase à preservação da floresta, à criação de santuários ecológicos e à manutenção dos índios no estágio pré-histórico (...)"

Não sei de que país nem de que governos a Veja está falando. Porque tudo o que sucessivos governos do Brasil têm feito é justamente tentar transformar a Amazônia num celeiro de grãos e gado. É justamente ESSE o problema da Amazônia. A soja de Mato Grosso e Rondônia e o boi de São Félix do Xingu estão aí para provar. O Pará é o maior rebanho do país hoje. Às expensas da floresta. A premissa da afirmação é falaciosa. Ou um Sergipe desmatado por ano é reflexo de políticas preservacionistas?

"Em Rondônia e no Pará o progresso ainda conseguiu manter abertas algumas clareiras (...)"

O cara chama 16% de desmatamento num e 25% de desmatamento noutro "clareiras"? À puta que pariu. Vá perguntar ao pé-rachado de Medicilândia, nos cafundós do Pará, que "progresso" é esse, como isso se refletiu no IDH dos dois Estados. Por outro lado, a elite ganadeira e o Jáder Barbalho definitivamente não têm do que reclamar.

"Os brasileiros e seus descendentes que acreditaram na pregação dos militares estão agora em Roraima perdidos na contramão da história, insistindo em vão em ser cidadãos produtivos, integrados à economia moderna, quanso tudo à sua volta -- governo, igrejas e ambientalistas -- conspira para devolver a mata a seu estado prístino"

Desde quando uma monocultura num solo paupérrimo pode ser chamada de "economia moderna"? Tão moderna quanto o ciclo da cana e o do café.

"O modo de vida primitivo (sic) dos índios seria em si um fator de proteção para o meio ambiente. Pode até ser. Não é o que mostra a história recente de outras reservas (...)"

Ah, não? A Veja se esqueceu de olhar, ou preferiu não ver, os mapas mais recentes de ocupação da Amazônia do Imazon, que mostram que áreas indígenas têm feito um papel surpreendentemente bom de proteger a floresta de saques desse "setor produtivo" que tanto recebe loas da revista (e que, lá na minha terra, a gente chama de "grileiro"). Também ignorou estudos na mesma linha do Instituto Socioambiental e da ONG americana Forest Trends. Aqui, a Veja comete o que Carl Sagan chama de supressão de evidências, a famosa síndrome de Ricúpero.

"Lula assinou o atestado da morte econômica de Roraima, já que na reserva se concentra quase toda a produção de arroz, que responde por nada menos que 11% do PIB do Estado"

Como é que um editor deixa passar uma conta malfeita dessas? Primeiro, 11% de qualquer coisa não pode ser chamado de "maior parte". Logo, 11% do PIB não pode ser chamado de "morte econômica", pode? Seria a primeira pergunta a fazer ao repórter. Roraima ocupa o 19º lugar no ranking nacional de PIB per capita, segundo dados da Secretaria de Planejamento do Estado. Todo o setor primário responde por 18% do PIB. O setor energético, 21%. Construção civil, 16%. Sabe do que Roraima vive? Do Fundo de Participação dos Estados, ou seja, de subsídio da Federação. Nada menos que 52,3% do PIB vêm do FPE. Ou seja, mandar embora o Estado, como sugere a Veja, seria, isso sim, a sentença de morte de Roraima.

"O governador exagera quando fala em apenas 10%, mas isso não invalida seu protesto: restam 17% de Roraima para uso da agricultura. Isso mostra que, com o tempo, talvez Roraima passe por uma inversão histórica: os índios vão se expandindo, e os brancos (...) acanarão reduzidos a um naco de terra. Será, assim, uma espécie de reserva de civilização em um Estado indígena"

Ufa! Por pouco ele não disse "reserva de civilização em meio à barbárie"! Não vou comentar o crime antropológico nem a carga de preconceito que permeiam a matéria. Dou o desconto para autor e editor, meninos de cidade grande. Vamos nos ater aos dados. Aqui, a Veja comete a falácia lomborguiana: manipular números absolutos. 17% só, né, coitadinhos? Aos números: Roraima tem 225 mil km2. 17% disso são 38 mil km2. A Bélgica, país que produz muito mais e muito melhores produtos agrícolas que Roraima, tem 30 mil km2 DE ÁREA TOTAL. Ou seja, a Veja e os barões do arroz de Roraima (tudo gente da mais fina estirpe, da turma de Romero Jucá e Neudo Campos) choram porque a oligarquia local vai ter "só" 1,3 Bélgica para plantar o arroz que responde por 11% do PIB.

Chega. Acho que já deixei meu ponto claro sobre a matéria da Veja aqui. Isso é o que eu chamo de jornalismo de princípios. Ou, como disse uma vez um jornalista da Veja, "se os fatos não batem com a nossa versão, azar dos fatos".