Ideias antigas

Fósseis, árvores, minorias, filhos e outras coisas fora de moda

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Apenas uma relíquia do Plioceno...

domingo, dezembro 25, 2005

O milagre da multiplicação das CTEs

NADA MAIS ADEQUADO ao espírito do Natal do que comemorar um milagre da multiplicação. Neste caso, o santo é Woo-Suk Hwang, o doutor clone da Coréia do Sul, que fez duas linhagens de células-tronco embrionárias humanas obtidas a partir de embriões clonados (de óvulos comprados ou obtidos por meios escusos, contra os quais, como já deixei registrado em outras plagas, não tenho nada) parecerem 11 aos olhos dos revisores da Science e de uma audiência embasbacada mundo afora.

O truque foi digno desses curandeiros de beira de estrada ou de mágicos de festa de criança: as células foram divididas em tubos de ensaio distintos e fotografadas como se fossem várias linhagens. Hwang inaugurou o "CRTL C-CTRL V" da biologia celular.

Como não têm Jesus no coração, os coreanos do concílio investigador de milagres da Universidade Nacional de Seul resolveram fazer a coletiva no dia 23 de dezembro, só pra foder a revista Veja (que já estava fechada) e os jornalistas de plantão nas redações dos diários dos países católicos (que ACHAVAM que já estivessem fechados também).

Longa vida, portanto, ao doutor Hwang. Aliás, longuíssima: se esse filho da puta resolve cometer um harakiri nesta semana eu tô fudido.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Caralho!

ACABO DE ME DAR CONTA de que este blógue completou um ano de atividade ontem.

A todos que insistem em visitá-lo, minhas sinceras condolências.

Design Inteligente (1987-2005)

ESQUEÇA HARRY POTTER e Dan Brown. A leitura mais sensacional deste fim de ano é o memorando de opinião do juiz John Jones III, que deu aos pais indignados de Dover, PA, a vitória acachapante e (espero) definitiva sobre o design inteligente. Tem 139 páginas e é uma aula de direito, ciência e investigação. Em resumo, ensinar esse lixo é inconstitucional.

O lamentável é que precisou de um juiz federal para dizer aquilo que todo mundo sempre soube mas que ninguém teve o culhão de gritar aos quatro ventos: não há diferença nenhuma entre design inteligente e criacionismo. "Um observador objetivo, criança ou adulto, saberia que ID e o ensino sobre "buracos" e "problemas" na teoria evolutiva são estratégias criacionistas e religiosas que evoluíram de formas anteriores do criacionismo", pontificou o magistrado (o grifo é meu; a maldade é dele).

Em seu minucioso exame da causa, Jones pega os picaretas fundamentalistas da turma de Dembski (cujo tentáculo no Brasil é a ONG de um homem só Núcleo Brasileiro do Design Inteligente, do manauara Enézio Almeida Filho) e Behe no flagra. Capta o exato momento em que o "conceito" do design virou substituto para a palavra "criação": em 1987, depois que um outro julgamento decretou que o ensino do chamado criacionismo científico violava a Primeira Emenda. Nenhum jornalista teria feito melhor (e aqui concordo totalmente com Maurício Tuffani quando ele desce o malho na atuação da imprensa sobre esse caso) ao investigar a origem de uma fraude.

Conclui o juiz: "Ao fazer esta determinação, abordamos a questão seminal sobre se o ID é ou não ciênci. Concluímos que não é, e mais ainda, o ID não consegue se desvencilhar de seus antecedentes criacionistas, portanto religiosos."

Ditto.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Chuuuupa, Enézioooooooo!!!!

ACABOU A FRAUDE. O ID perdeu a versão século 21 do julgamento do macaco. Chega de putaria. Ponham o seu criador no saco e saiam de mansinho das aulas de biologia.

(Este post teve o patrocínio da Igreja dos Magistérios Não-Intervenientes.)

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Ligue as pontes

LEMBRA DAQUELA história do vôo do besouro? Pois. Estou cada vez mais convicto de que o Brasil só será um país decente quando alguém proibir o Norte e o Nordeste, principalmente o Nordeste, de elegerem parlamentares.

terça-feira, dezembro 13, 2005

Double, double, tracks and trouble

E EIS QUE ACABOU a COP de Montréal. Se não com uma vitória, ao menos com um plano de ação que vai dar origem a um mandato que vai dar origem a um protocolo -- fraco e sem enforcing definido, como Kyoto, apenas mais longo.

Muita gente no governo poderá dizer: mas veja que ótimo, iniciou-se uma discussão sobre florestas. Sinto bancar a Debbie Downer, mas o que eu vejo aí é um problema. Porque Montréal santificou a chamada estratégia dos "dois trilhos". C'est à dire: em um trilho negocia-se Kyoto, metas, prazos e reduções compulsórias de emissão. Nesse trilho estão os povos de bem: UE, Japão, Rússia, economias do Leste europeu e até o Canadá. São países que não só querem Kyoto como acreditam que podem lucrar com isso num mercado futuro de tecnologias de energia. São investidores.

No outro trilho, o da Convenção do Clima, estão los malos de la película: EUA e Austrália, movidos respectivamente pelo lobby do petróleo e pela estupidez. Aqui colou o discurso das "ações voluntárias", como o espetacular plano Bush para reduzir a "intensidade de carbono" da economia dos EUA (pra quem não conhece a iniciativa, ela visa a reduzir o carbono emitido por unidade de PIB, o que, num país cujo setor de serviços cresce mais do que a indústria pesada, significa essencialmente coçar um bago com cada mão). E, surpresa, quem está engatadinho atrás dos Estados Unidos no segundo trilho? NÓS. O Brasil, a China, a Índia e o resto do G-77, que não aceitam falar em redução de emissões nem depois de 2013 nem nunca.

Não que eu discorde dessa estratégia; mas cria-se uma desconfortável impressão de que os pobre se escoraram nessa maldita palavra "voluntárias" para não fazer nada, esvaziando targets e timetables. E dando toda razão aos EUA em seu lento mas certo assassinato da cooperação ambiental internacional.

Pois bem: já que o bom senso dos governos não funcionou, resta apelar aos deuses para que protejam aos EUA de novos Katrinas e a nós de novos Catarinas.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Marina Dobriansky?

A MINISTRA Marina Silva repetiu em Montréal parte da retórica climática americana: o Brasil não quer metas de redução, mas aceita medidas "voluntárias" (leia-se: vocês pagam, a gente não desmata). Um cientista brasileiro de destaque nessa seara diz que esse plano não vai funcionar; não tem dinheiro fora do MDL para as tais medidas.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Caiu!

AGORA É OFICIAL: o desmatamento em 2004-2005 caiu 31% na Amazônia, segundo o Inpe. Viva Marina Silva. Ou melhor: viva Paulo Lacerda, capo da Polícia Federal. Foram os tiras, afinal, não o plano um-quarto-de-bomba da Casa Civil (chefiada, quando de sua implementação, pelo "superministro" José Mensalão Dirceu, que estava ocupado demais tentando dominar o mundo para prestar atenção em mato queimando), os grandes responsáveis pela queda na taxa.

Aliás, "queda", aqui, deve ser lida com cautela. Afinal, 18,9 mil km2 são km2 pra caralho. É mais do que se registrou em todo o segundo reinado de FFHH, antes do salto para o patamar dos 20-mil-ish de 2001-2002.

Hoje, numa encruzilhada perto de você...

...acontece o ritual macabro da dona Marina.

O que os búzios reservam para a Amazônia em 2006

INSPIRADA PELA MANCHETE do jornal Valor Econômico de hoje, "Bunge fecha fábricas em reação à crise no campo", Mãe Paranthropus prevê o que será da nossa grande floresta no ano que vem:

"Os búzios prevêem um 2006 brilhante para a Amazônia. A taxa oficial de desmatamento de 2005 será consolidada em queda de 40%. Em agosto, um triunfante João Paulo Capobianco anunciará a manutenção da tendência de queda, com uma previsão feita pelo Deter de estabilização em 16.000 ou 17.000 km2. Atribuirá tudo ao 'esforço do Presidente Lula' e 'ao plano de combate ao desmatamento' e à 'transversalidade das políticas de governo'. Não mencionará a crise do agronegócio como causa da redução. Dilma Roussef, que não vai à Amazônia desde os tempos de Araguaia, estará lá para colher os louros. Marina Silva, forrestgumpianamente, terminará seu mandato aclamada como a ministra que reverteu a tendência histórica do desmatamento galopante."

O resto é problema dos tucanos em 2007.

domingo, dezembro 04, 2005

O polegar do panda, a garra do Archaeopteryx e a macroevolução

SE STEPHEN JAY GOULD estivesse vivo, não teria deixado de dedicar uma de suas colunas na Natural History ao paper simplório mas sensacional publicado na última sexta-feira por um grupo teuto-americano na revista Science. Os autores ao mesmo tempo descrevem o décimo exemplar de Archaeopteryx e apontam para dois detalhes reveladores no pé do paleopassarinho mais antigo do mundo: 1) ele não tem hálux; 2) ele tem uma grande garra retrátil.

Não se trata de fetichismo de paleontólogo, diga-se de saída. O pé do Archaeopteryx é a chave para entender muita coisa na ligação cada vez mais visceral entre aves modernas e um certo grupo de dinossauros, os deinonicossauros ("lagartos de garras terríveis"), turma à qual pertencem o (injustamente) glorificado Velociraptor, o Deinonychus, o Dromaeosaurus e outros pequenos dinos carnívoros bípedes. De fato, o que o alemão Gerald Mayr (sem parentesco com o outro Mayr, Ernst) e seus colegas propõem é que essa divisão não exista mais. Ave é dino, dino é ave.

"Como assim, puta paga?", você deve estar se perguntando. Ocorre o seguinte: o Archaeopteryx, membro fundador da classe Aves, era considerado um elo perdido entre aves e dinossauros devido a uma série de detalhes de sua anatomia que me dá sono só pensar em enumerar. As patas do bichinho, no entanto, eram -- até agora -- consideradas avianas. Em especial a presença do tal hálux, que é aquele "polegar" virado para trás que as galinhas usam para agarrar no poleiro. Pois bem: Mayr olhou bem para o décimo A'pteryx, o chamado "Espécime de Termópolis" (assim batizado em homenagem à cidade de Wyoming onde o fóssil se encontra exibido), e viu que o tal hálux não é exatamente voltado para trás. E que o segundo dedo do passarinhossauro NA VERDADE traz uma garra assassina, menor mas funcionalmente idêntica à do Velociraptor (se você assistiu Jurassic Park, sabe do que estou falando; se não assistiu, está fazendo o que neste blog?).

E daí? Daí muitas coisas. A presença da garra extensível não é exatamente um traço único do Archaeopteryx. Ela já havia sido demonstrada em Rahonavis, um grupo de ave bem mais derivado e recente (lembre-se de que Solnhofen, de onde vieram todos os arqueoptérixes -- acabo de inventar o plural --, é uma pedreira do Jurássico, de 150 milhões de anos, enquanto o Rahona é do Cretáceo). E o hálux do Archaeopteryx não é exatamente inexistente, mas transicional; certamente não servia para se empoleirar, o que sugere que nosso paleopassarinho favorito provavelmente era um bicho de solo, como outros dinossauros, não arborícola. A grande conclusão de Mayr et al. é o cladograma montado no paper, que apaga de vez a distinção entre aves basais e deinonicossauros. Eles dizem que Aves é uma classe difilética, ou seja, seus ramos mais antigos não compartilham um ancestral comum. O que existe é Aves 1 e Aves 2, sendo que na primeira categoria entram Archaeopteryx, Rahonavis e deinonicossauros primitivos, como o Troodon, e na segunda estão Velociraptor e Confucisornis, considerada "ancestral" das aves existentes hoje.

Mas o mais legal do paper mesmo é a demonstração de que a evolução das espécies é uma rampa (cronológica, por favor!), não uma escada. Em vez de "quebras" abruptas no registro fóssil, nas quais uma espécie "se transforma" em outra ou uma classe "se transmuta" em outra assim, como por mágica, o que realmente ocorre é uma transição contínua, sem saltos misteriosos, algo que só nos é dado ver em raríssimos e felicíssimos casos, como o Archaeopteryx, que não é pássaro nem dinossauro e é ambos. Dito de outra forma, é a confirmação da máxima darwiniana "Natura non facit saltum".

É difícil para algumas pessoas aceitar esse contínuo evolutivo (Richard Dawkins atacou esse tipo de gente em um ensaio maravilhoso sobre "a mente descontínua"). IDevotos e outros indivíduos de (má) fé insistentemente vêem no mistério da macroevolução -- parte da teoria evolutiva que lida justamente com a origem das espécies -- um sintoma da "falência epistêmica" do darwinismo, para usar a frase-feita favorita do meu amigo Enézio "Design Inteligente" Almeida Filho. O dedo do meio do Archaeopteryx, convenientemente esticado na direção desses néscios, só faz reforçar a grandeza explanativa da visão darwista da vida.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Manés amazônicos

FOI SÓ ELOGIAR. Acabo de me dar conta de que a mesma Ciência e Ambiente editada pelo política e ambientalmente corretíssimo Marcelo Leite, pela qual eu me derretia no post abaixo, tem nas suas orelhas um anúncio da Stihl.

Pra quem não sabe, é empresa líder do mercado de MOTOSSERRAS.

Imagino a cara do pobre Marcelo quando viu o anúncio no periódico impresso. Ainda mais com a piada macabra: "A Stihl é uma empresa que tem responsabilidade ecológica na sua raiz". É mais ou menos como fazer propaganda de crematório em casa de judeu.

Menés amazônico

EU ODEIO fazer propaganda. Ainda mais para quem já faz demasiada de si mesmo, como é o caso do meu guru Marcelo Leite. Mas preciso abrir aqui uma exceção: a corja que ele juntou para escrever a edição dupla da revista Ciência e Ambiente sobre Amazônia é simplesmente um luxo. Nem em reunião do LBA se vê tanta gente boa junta discutindo as mazelas e oportunidades da floresta.

Quer uma provinha? José Maria Cardoso da Silva e Gustavo Fonseca escrevendo sobre megadiversidade; os irmãos Antônio Donato e Carlos Afonso Nobre falando de carbono; os Eduardos Neves e Viveiros de Castro discorrendo, respectivamente, sobre arqueologia amazônica e "perspectivismo ameríndio" (seja lá o que essa porra signifique); Mary Allegretti e Roberto Smeraldi falando de infra-estrutura; Beto Veríssimo de Flonas; Ronaldo Serôa da Motta de custos do desmatamento, e Dan Nepstad e cia. de gestão da indústria madeireira.

Que eu saiba, não faltou ninguém. Talvez um artigo de Marina Silva, para dar um fecho melancólico sobre como a esperança virou imobilismo, depois medo e por fim desespero.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Changement de règles

ACHO QUE FOI naquele documentário Edifício Master, que o síndico do prédio lá pelas tantas comenta: "Primeiro a gente vai de Piaget e conversa com o pessoal. Mas se o Piaget não resilve, aí a gente vai de Pinochet, mesmo".

Ditto.