TODOS OS GRANDES problemas ambientais que assombram a humanidade -- a destruição dos habitats naturais, a perda acelerada da biodiversidade, a crise de energia, o aquecimento global, a superpopulação, o esgotamento dos solos, a escassez de água doce -- serão resolvidos ainda durante a vida desta geração ou da próxima. A princípio, a aposta é excessivamente otimista. Ainda mais vinda de alguém como o biogeógrafo americano Jared Diamond, que conhece a história do
Homo sapiens o suficiente para saber que nós não somos uma espécie lá muito digna de confiança.
Mas o novo livro de Diamond,
Colapso _ Como as Sociedades Escolhem Falhar ou Prosperar, que finalmente aporta nas livrarias brasileiras no fim deste mês, está longe de ser um libelo cor-de-rosa. A questão não é
se a civilização humana vai sair da sinuca-de-bico ambiental em que se meteu (e às outras espécies, que não tiveram nada com isso), mas
como será essa resolução: ela pode vir à moda japonesa, na qual a percepção da tragédia iminente dá lugar a medidas radicais de recuperação e finalmente à superação do obstáculo, à prosperidade e ao desenvolvimento; ou pode vir à moda maia, na forma de peste, fome, guerras e, finalmente, do colapso social.
Colapso é uma espécie de engenharia reversa do último best-seller de Diamond,
Armas, Germes e Aço, que explica o triunfo da civilização européia (eurasiática, a bem da verdade) no planeta por razões biológicas e geográficas. Agora, ele se dedica a tentar entendero reverso da moeda --por que as culturas se extinguem. Teve gente que não leu e não gostou. Diamond recebeu uma resenha para lá de mal-informada do vetusto
The New York Times. Foi acusado por outros de determinista ambiental (curiosamente, pela mesma turma que pega no pé de sociobiólogos como ele por supostamente pregarem o determinismo biológico). Nada mais longe da verdade. Com todas as deficiências do livro e todos os arroubos de politicamente correto (e algumas vezes de puro etnocentrismo) que contaminam suas páginas,
Colapso é, a meu ver, a obra mais importante do ano (again, I may be wrong...). Além de ser um verdadeiro presente para quem curte civilizações perdidas e arqueologia, tem o mérito de tentar trazer a questão ambiental para o lugar que ela sempre mereceu: o centro de qualquer debate sobre o presente e o futuro dos seres humanos.
Logo de cara, o cientista americano afasta qualquer sugestão de "reducionismo", brincando que um título adequado (e invendável) para seu livro seria:
Colapsos sociais envolvento um componente ambiental e, em alguns casos, também, contribuições de mudança climática, vizinhos hostis, parceiros comerciais e questões de resposta social. Por um lado, é um guarda-chuva enorme. Por outro, um reconhecimento -- como fica claro no subtítulo -- de que a ruína e a extinção são em última análise opções de uma sociedade.
Diamond divide sua obra em quatro partes. Na primeira, traça um quadro dos problemas que discretamente corroem uma sociedade que à primeira vista é bela e próspera, a do Estado americano de Montana. Ninguém diria, só de olhar, que Montana sofre problemas sérios de esgotamento de solos, salinização, erosão, colapso florestal e poluição de solos e águas por conta de atividade mineradora. Mas esses problemas, argumenta o autor, já fazem com que a atividade agropecuária na região, antes um carro-chefe da economia, seja estrangulada (e sobreviva devido a subsídios).
De Montana Diamond nos transporta a diversas sociedades do passado, que às vésperas de seu colapso também não davam sinais aparentes da tragédia: a Ilha de Páscoa, os maias das terras baixas da América Central, as ilhas Pitcairn, Mangareva e Henderson, no Pacífico, os anasazi do sul dos EUA e os vikings da Groenlândia. Todos esses colapsos tiveram um fator ambiental como determinante (a maior parte das vezes o desmatamento irrefreado, que chegou a inacreditáveis 100% no caso da Ilha de Páscoa), mas poderiam ter sido evitados se houvesse, no linguajar atual, vontade política de seus moradores. Assim, ao mesmo tempo que atribui ao ambiente inóspito da Groenlândia a queda dos assentamentos vikings (que, veja bem, duraram 450 anos), Diamond ressalta que foram os valores da sociedade nórdica, como a preferência por carne de vaca em vez de foca ou baleia, os agentes desse colapso. Afinal, os inuits vivem há mais de mil anos nesse mesmo ambiente, e muito bem, obrigado.
Mas o verdadeiro teste para a abordagem teórica de Diamond começa na discussão de sucessos e fracassos em sociedades atuais. O mais notável desses sucessos é o Japão do período Tokugawa, que levou a cabo (a ferro e a fogo, para parodiar Warren Dean) o maior programa de reflorestamento de que se tem notícia na história da humanidade no século 18, ao se deparar com o esgotamento das florestas do arquipélago. Outros cases são o manejo florestal bem-sucedido na Nova Guiné e na pentelhesimal ilha de Tikopia, na mesma Polinésia que viu florescerem e murcharem Páscoa e Pitcairn, além da história da República Dominicana, um país relativamente próspero (e florestado) que divide a mesma ilha com o ultra-miserável (e desmatado) Haiti. Aos números: 29% das florestas dominicanas hoje estão de pé. No vizinho, esse número é 1%. Ainda entre os fracassos modernos, bastante convincente também é a explicação ambiental de Diamond para o genocídio de Ruanda em 1994.
Finalmente, ao pintar a situação da China e da Austrália, dois gigantes territoriais que estão na pior encruzilhada ambiental de sua história, Diamond projeta o futuro da humanidade, vendo, ao fim e ao cabo, razões para o otimismo (entre elas está o "greening" progressivo e sincero das grandes corporações, a política chinesa de controle de natalidade e a interconexão cada vez maior do planeta pela globalização. Muitos dos seus estudos de caso, lembre-se, são ilhas ou sociedades geograficamente isoladas por algum motivo).
Eu sinceramente espero que Diamond esteja certo em sua esperança. Mas não concordo com ele. O principal problema ambiental da humanidade, a mudança climática, está bem longe de ser resolvido, porque ainda não bateu na bunda dos responsáveis por tomadas de decisão que realmente afetem o planeta inteiro (você sabe de quem eu estou falando). Aliás, belíssima a refutação do autor daquilo que ele chama de "one-liner objections", aquelas frases de uma linha que procuram descartar o problema, como "a tecnologia vai dar um jeito". Em muitos casos, ele passa ao largo do fato de que grande parte dos problemas ambientais do Terceiro Mundo tem sua origem no Primeiro Mundo. Por exemplo, é muito fácil para o Japão manter 80% de suas florestas em pé, sendo o segundo maior consumidor de madeira tropical do planeta. Em certas passagens ele chega ao extremo dessa visão algo ingênua e estereotipada do Terceiro Mundo, que exonera seus leitores (cidadãos do Primeiro Mundo) de culpa, ao afirmar, por exemplo, sobre o desmatamento nos países tropicais: "A razão pela qual a floresta atrás de sua aldeia está sendo cortada é geralmente que um governo corrupto tenha ordenado seu corte apesar de seus protestos, ou que eles tenham assinado com grande relutância um contrato de exploração de madeira porque não viram outra forma de conseguir o dinheiro do ano que vem para seus filhos".
Faria bem ao ilustre autor molhar suas patinhas na lama da Amazônia para perder esse tipo de ilusão.